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Denis R. Burgierman

Entre o fogo e a ficção

21 de novembro de 2018

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Enquanto a Califórnia queima, o governo brasileiro decide acreditar numa mentira

Enquanto escrevo, a Califórnia queima. Está queimando sem parar há quase duas semanas, no pior incêndio já visto por lá. Não que incêndios sejam incomuns naquela terra de ar seco, sol brilhante e muita árvore grande para fornecer lenha. Não são. Mas este, que parece não se apagar nunca, não é como nada que algum californiano já houvesse visto antes. Não é só que ele é maior do que qualquer outro, ou que dure mais: ele é diferente. Muito.

Os moradores mais antigos contam que tradicionalmente o fogo se alastra consumindo algumas coisas e poupando outras: a árvore mais seca vira cinza, a mais verde segue de pé. Umas casas torram, outras resistem um pouco pretejadas. Pois, segundo os relatos , desta vez o fogo não poupou nada. São centenas de quilômetros quadrados onde não restou coisa alguma que não se pareça com a fuligem no fundo de uma lareira.

Outra diferença é que este incêndio pareceu atacar de todos os lados ao mesmo tempo. Ele começou num dia seco de sol, no começo de novembro, perto de uma cidadezinha do norte do Estado chamada – sem nenhuma ironia – Paradiso, que queimou inteirinha. Normalmente, as grandes cidades do sul do estado emprestariam bombeiros para ajudar. Mas não foi possível porque algumas horas depois outro foco de chamas surgiu, um pouco ao norte de Los Angeles. A Califórnia está acostumada a combater incêndios, mas não dois simultâneos e imensos.

Nos últimos anos, tenho ouvido muitos relatos desse tipo: coisas que nunca aconteceram antes, que de repente destroem tudo, de um jeito que nem se julgava possível. Uns anos atrás, foi bem essa a história que ouvi na divisa entre Alagoas e Pernambuco, que é demarcada por um rio chamado Una. Em 2010, o Una encheu e destruiu tudo. Na época os moradores da região relataram que o desastre aconteceu por causa de uma barragem que estourou. Afinal, o rio subiu tanto e tão rápido que não era possível que fosse apenas por causa da chuva.

Fui para lá umas semanas depois, e desci o rio todo, da nascente à foz, acompanhado de um especialista e um fotógrafo, para tentar entender o que aconteceu. Descobrimos que não houve barragem rompida nenhuma. É só que choveu forte três dias sem parar, encharcando o solo até o limite. Aí, quando veio o quarto dia e a chuva aumentou, nem uma gota penetrou na terra. Escorreu serra abaixo, com uma força que ninguém imaginava ser possível. Duas horas depois de os moradores notarem o nível do rio subir, a água já cobria as casas.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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