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Ao que tudo indica, houve pelo menos um tanto de fraude entre os mil fatores que determinaram a estrondosa vitória eleitoral do bolsonarismo, no mês passado. Contrariando a lei, que proíbe doação eleitoral de pessoa jurídica, empresas parecem ter secretamente financiado o esquema de propaganda da chapa vencedora, como apontam indícios coletados pela repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, uma entre dezenas de profissionais de imprensa do mundo inteiro reconhecidos pela revista americana “Time” no seu tradicional prêmio de “ pessoa do ano ” (o vencedor de 2018 foram “os guardiões da guerra contra a verdade” – os jornalistas que estão tentando resistir, sem muito sucesso, à ofensiva de desinformação que está tomando o mundo). A eleição brasileira se deu num ambiente de muita notícia falsa, com uma ampla maioria dos eleitores do vencedor acreditando em mentiras, sem debate entre os principais candidatos sobre as questões mais importantes.
No entanto, a mensagem expressa nas urnas foi bem clara: o Brasil quer começar 2019 sob o comando de Jair Bolsonaro e de sua pitoresca turma. Se houve mesmo fraude, e se ela foi mesmo decisiva, nada disso apaga o fato de que mentira só germina em solo fértil – e o solo brasileiro estava tão fértil quanto possível. A população estava farta. Pode até ser que tenha havido uma campanha criminosa de desinformação, mas essa campanha daria em nada se não houvesse uma disposição generalizada a acreditar nela. O Brasil deixou claro: quer mudar.
Eu entendo. Acolho o desejo expresso na eleição. Respeito a fúria destrutiva com a qual a população rejeitou o status quo. Inclusive porque os brasileiros temos mesmo toda razão para estarmos furiosos. O Brasil dá mesmo motivo para indignação – precisa mudar. Nossas instituições vêm mesmo falhando – precisam ser reinventadas.
Fácil encontrar prova disso. Basta olhar para o orçamento federal para perceber como estão equivocadas as prioridades dos nosso governantes. Lá se descobre, logo de cara, que este país gasta com previdência quase oito vezes mais do que gasta com educação. Ou seja, investe em desenvolver as próximas gerações apenas uma pequena fração do que se gasta em quem já deixou de produzir. Não à toa, a qualidade da educação é péssima . Claro que não estou defendendo aqui abandonar os idosos à própria sorte, mas que chance um país tem de progredir se consome todos os recursos com a velhice, e não deixa nada para a juventude?
Esse absurdo decorre do fato de que o Brasil é um país de privilégios. Embora a maioria dos aposentados receba do Estado pouco mais do que um salário mínimo, não faltam aposentadorias de R$ 30, 40, 50 mil , pensões não só para viúvas, mas até para filhos adultos de marajás, principalmente para as carreiras que têm poder. E isso não muda, em parte porque quem tem poder não quer mudar, em parte porque nossa Justiça dá mais valor para direitos adquiridos do que para direitos fundamentais – e direitos adquiridos muitas vezes são outro nome para privilégios. E a esquerda não ajuda, porque embarca no discurso fácil de denunciar qualquer mudança como retirada de direitos – mesmo aquelas que atacam privilégios. Ficamos então imobilizados, por anos sem conseguir consertar aquilo que está obviamente quebrado. Quando vejo essas coisas, compreendo por que alguém resolve votar “contra tudo isso que está aí”, como tantos fizeram no mês retrasado. Entendo. Acolho. Respeito.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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