Coluna

Denis R. Burgierman

Aprendendo na carne sobre os novos tempos

05 de junho de 2019

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Eu já sabia que vivemos num mundo onde a verdade importa cada vez menos. Mas minha experiência com Olavo de Carvalho me fez aprender isso num nível mais profundo.

Tenho estudado muito aquilo que alguns teóricos chamam de “desordem informacional” . Esse fenômeno tomou o mundo na era das redes sociais e fez com que a verdade tenha simplesmente deixado de importar para o debate público – que se transformou numa guerra de narrativas, às vezes todas elas em algum grau fictícias. Tenho lido livros e pesquisas sobre o tema, entrevistado especialistas e vítimas da mentira, passo muito tempo pensando nisso.

Mas uma coisa é estudar. Outra é aprender – na pele, na carne, na medula dos ossos. Foi o que aconteceu comigo quando, no começo deste ano, repórter que sou, aceitei um desafio da revista Época e me matriculei no curso online do escritor Olavo de Carvalho. Aceitei porque quero entender. Claro que eu já conhecia Olavo – quem não o conhece, desde que ele virou a figura de maior influência sobre o presidente da República? Mas meu conhecimento se baseava em posts pontuais que chegavam a mim, quase todos absurdos e ultrajantes. Eu não entendia o apelo do Olavo: para isso, teria que mergulhar no mundo dele, de mente aberta.

Foi o que fiz. Passei quatro meses naquele universo – assistindo a aulas, convivendo com alunos, acompanhando seus vitupérios 24 horas por dia nas redes sociais (Olavo vara noites postando). Fiz isso de maneira transparente. Matriculei-me com meu nome verdadeiro, com meu cartão de crédito, não escondi minhas intenções. Não era um trabalho de espionagem: era um trabalho de jornalismo, que é o que eu faço da vida.

É simples: consiste em tentar entender algo o melhor possível e depois tentar explicar da maneira mais verdadeira e clara que eu consiga, cuidando para não deixar meus vieses interferirem. Claro que “a verdade” é uma coisa virtualmente impossível de se alcançar. Num mundo complexo, não existe uma só verdade, e muita coisa é subjetiva. Mas minha missão, como jornalista, é tentar chegar o mais perto possível dela, por mais que eu nunca a alcance.

Como sempre faço antes de escrever sobre alguém, tentei entrevistar Olavo. Tentei muito: mandei mensagens pelo chat do curso, pelas redes sociais, liguei, mandei WhatsApp. Nunca obtive nenhuma resposta. Quer dizer, obtive, mas as respostas não eram dirigidas a mim. Olavo pegava trechos de minhas mensagens e publicava para seus muitos seguidores, acrescentando ofensas e teorias conspiratórias sobre minhas intenções. Ele evidentemente não sentia a menor necessidade de dar entrevista a mim.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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