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“Há intolerável desigualdade no mundo de hoje, não apenas em termos de renda, mas também de acesso à educação e saúde, ou mesmo à água potável. Nossa prioridade será o combate à desigualdade”.
Se você pensou que a frase vem de algum partido de esquerda, errou feio. Está na página oficial do encontro do G7 em Biarritz, reunido na luxuosa Riviera Francesa, sob a presidência de Macron. Larga distância separará a epígrafe das políticas concretas, mas não é irrelevante que a necessidade de um novo contrato social, que coloque a desigualdade no centro da atenção dos governos, esteja na agenda. Entre os mais esclarecidos líderes mundiais, é real a preocupação com as consequências sociais e políticas da crescente desigualdade.
Que lugar tem a desigualdade na agenda brasileira? Há pelo menos três projetos de contrato social para o Brasil. Para entendê-los, entretanto, precisamos recuar no tempo e examinar o legado dos contratos anteriores.
Getúlio Vargas foi o primeiro a estatuir obrigações do Estado com os cidadãos. Seu contrato social, contudo, estava restrito aos funcionários públicos e trabalhadores com carteira assinada. Ao pagar seu bilhete de trem, o ilustre passageiro pagava uma taxa adicional para financiar a saúde, a habitação e a aposentadoria do ferroviário. Se trabalhador informal, este mesmo passageiro não teria, contudo, nenhum desses direitos. Para um dia vir a proteger todos os trabalhadores, esse modelo de contrato social requer plena ocupação no mercado formal. Funcionou bem na Alemanha, mas o Brasil nunca preencheu essa condição. Como consequência, no final dos anos 1980, nosso país garantia aposentadorias generosas e precoces para apenas 40% da força de trabalho. A grande maioria dependia, na velhice e na doença, da filantropia.
A Constituição de 1988 mudou radicalmente nosso contrato social. Nenhum idoso ou deficiente teria renda inferior a um salário mínimo. Todos os cidadãos teriam direito à saúde. A educação fundamental não seria um privilégio de poucos, mas obrigação do Estado e dos pais. Em suma, os 60% (até então) excluídos passaram a ter direito a uma proteção social compatível com a de muitos países da mesma OCDE à qual o Brasil aspira agora ingressar.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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