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Áurea Carolina

Cuidar de nós para salvar a Amazônia 

30 de agosto de 2019

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A mobilização pela floresta deve passar por um outro ideal democrático, que leva em conta a cooperação com as comunidades tradicionais e a experiência da coletividade

Finalmente entendemos que o Brasil está em chamas. Teremos que nos refazer das cinzas, com a força criativa das culturas que produzem formas resilientes de existência, em um mundo cujo sentido de permanência é justamente a sua inexorável transformação.

Aprenderemos a (r)existir com os povos indígenas e os coletivos de hip hop, com as redes feministas e as rodas de capoeira, com os camelôs e as benzedeiras, com as periferias e os terreiros, com os agricultores familiares e os poetas marginais.

Esses grupos mostram que é preciso ser polivalente para continuar sendo quem se é, como ensina o mestre quilombola Nego Bispo. Ao invés de cultivar uma suposta identidade paralisada no tempo e no espaço – resposta fácil das aparências –, cabe a nós trabalhar a imprevisibilidade, a privação e o encontro com a alteridade como impulsos de preservação e expansão da nossa mais autêntica condição humana, necessariamente singular e universal.

A política deveria ser esse exercício. Muito mais do que projetar instituições para mediar a convivência e buscar saídas não violentas para os nossos conflitos, acredito que o ideal democrático é, fundamentalmente, um processo educativo em que transformamos nossas visões e condutas a partir da experiência vital da coletividade. No limite, é a possibilidade de equilíbrio entre as todas as criaturas, para que possamos conhecer nossos potenciais sem fazer guerra nem explorar ninguém – não apenas no curso linear de uma vida, mas sobretudo na dimensão das infinitas gerações do tempo.

É claro que esse ideal não se verifica na lógica convencional de poder que se impôs ao longo da história. No entanto, ele está presente em muitas práticas coletivas. Longe de qualquer idealização dos grupos que conseguem acioná-lo, o que está diante de nós é a certeza de que outra política é possível, mesmo quando a realidade parece nos levar a ciladas identitárias e predatórias, baseadas na competição e no empobrecimento afetivo e intelectual.

Áurea Carolina

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