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É estável um arranjo político (qualquer que seja) sem o apoio da classe média?
Sem chance, responderiam muitos cientistas políticos, sem titubear: a estabilidade da democracia depende da existência de uma ampla classe média. Melhor posicionadas que os mais pobres, as classes médias possuem recursos políticos para vigiar (e também derrubar) os governos.
Assume ser verdadeiro esse mecanismo a interpretação que postula que, contemporaneamente, as ameaças à democracia viriam do apoio das classes médias ao populismo autoritário de direita. As vitórias eleitorais de Donald Trump e Boris Johnson derivariam das ameaças concretas à segurança econômica experimentada no pós-Segunda Guerra por essa parcela dos eleitores. Ao perder empregos e renda para os prósperos (e menos remunerados) trabalhadores asiáticos, a classe média das democracias avançadas seria presa fácil à mobilização do medo e a promessas de difícil realização.
Das manifestações de junho de 2013 no Brasil ao Chile de Sebastián Piñera, passando por Hong Kong e a França de Macron, atribui-se às classes médias o poder de desestabilizar governos. Os mais saudáveis indicadores de prosperidade econômica não seriam suficientes para impedir as manifestações de descontentamento.
Um clássico da literatura sobre proteção social, “The three worlds of welfare capitalism” , de Gösta Esping-Andersen, publicado em 1990, demonstrou que a estabilidade desses sistemas dependeria do suporte das classes médias. Estas votam contra o modelo americano, que privilegia a atenção focalizada nos pobres, porque se percebem pagando duas vezes: para os outros ao pagar impostos e para si mesmas ao comprar serviços privados. A estabilidade do modelo social-democrata, por sua vez, viria de sua capacidade de garantir serviços de qualidade à classe média, que paga impostos para receber serviços universais de volta.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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