Coluna

Filipe Campante

Como a polarização política degrada as instituições

16 de outubro de 2019

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Na eleição e no exercício do mandato, Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil, testam regras não escritas da democracia. E conseguem fazê-lo por causa da polarização

O momento político nos Estados Unidos vem sendo dominado, nas últimas semanas, pelo processo de impeachment iniciado pela Câmara, sob liderança democrata, contra o presidente Donald Trump. O estopim do caso foi a acusação de que o presidente, em uma conversa com sua contraparte ucraniana, teria solicitado  ajuda para envolver o ex-vice-presidente Joe Biden, postulante à candidatura democrata em 2020, em um suposto escândalo de corrupção.

Independentemente dos desdobramentos desse caso específico, parece-me incontroverso que o presidente Trump tem violado seguidamente normas de comportamento antes tidas como sacrossantas no contexto político norte-americano. No exemplo atual, trata-se da ideia de solicitar apoio de governos estrangeiros para fins eleitorais, utilizando explícita ou implicitamente o poderio americano para extrair tal cooperação. Há, porém, incontáveis outros exemplos, de tal modo que o exercício de “imagine se qualquer outro presidente tivesse feito isso” já se tornou um verdadeiro clichê – o inimaginável transformado em rotina.

Isso naturalmente levanta a questão: o que explica essa espantosa capacidade de comportar-se de uma maneira que, diria a sabedoria convencional, destruiria a carreira de qualquer político? Qual superpoder permite ao presidente Trump, parafraseando suas próprias palavras , dar um tiro em alguém em plena Quinta Avenida, sem perder o apoio de seus seguidores?

Parte disso, sem dúvida, deve-se a características pouco usuais da personalidade em questão. Um dos grandes legados da era Trump para as ciências sociais está em ressaltar o quanto o funcionamento da democracia pressupõe normas informais, para além das regras escritas. Tais normas, é agora aparente, são fundamentalmente vulneráveis à ausência de vergonha e autocensura, e Trump é espetacularmente desprovido desses traços.

Essa não pode ser a explicação completa, contudo. Claramente há atores políticos em condições de impor limites ao comportamento do presidente – notadamente, o Senado. Dito de forma simples, o motivo pelo qual o presidente Trump pode violar normas como a de revelar suas declarações de imposto de renda (algo que ele ainda não fez), ou a de não se beneficiar de seus negócios pessoais, é o fato de que o Senado, controlado pelo Partido Republicano, recusa-se a dar força de lei a tais normas. A pergunta então se torna: o que explica a disposição do Partido Republicano em tolerar tais violações?

Filipe Campanteé Bloomberg Distinguished Associate Professor na Johns Hopkins University. Sua pesquisa enfoca temas de economia política, desenvolvimento e questões urbanas e já foi publicada em periódicos acadêmicos como “American Economic Review” e “Quarterly Journal of Economics”. Nascido no Rio, ele é PhD por Harvard, mestre pela PUC-Rio, e bacharel pela UFRJ, todos em economia. Foi professor em Harvard (2007-18) e professor visitante na PUC-Rio (2011-12). Escreve mensalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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