Coluna

Lilia Schwarcz

O beabá do populismo

09 de setembro de 2019

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A política populista moderna prioriza forma sobre conteúdo, anima a divisão e o ódio e manipula símbolos nacionais como se fossem propriedade pessoal

Populismo é um termo complexo. Tanto que não existe uma única definição para esse conceito, que indica um conjunto de práticas políticas que, de uma maneira geral, apelam para o “povo” e a “soberania” e, assim, se opõem às “elites” nacionais ou estrangeiras. Em nome do “povo”, que é transformado numa espécie de categoria abstrata e acima das demais, vários expedientes próprios das democracias representativas são colocados em questão.

Talvez por isso mesmo, a política populista é em geral definida não tanto por seu “conteúdo”, mas por sua “forma” de exercer o poder. Tanto que sua maior característica é o contato direto com as massas urbanas, sendo que o líder, muitas vezes carismático, seria o responsável pela intermediação direta com o povo, sem a participação de partidos, corporações ou instituições do Estado.

Foi Max Weber (1864-1920), em “A política como vocação”, quem definiu a autoridade carismática como aquela que se baseia “na devoção a um ato de heroísmo excepcional, ou ao caráter exemplar de uma pessoa, o que lhe legitima a autoridade”. Mas não existe problema, teoricamente, em contar com um político carismático que tenha capacidade de energizar e capacitar a população. O problema surge quando tais personagens acabam por tomar o lugar do Estado e das demais instituições, tendo como recurso forte a capacidade de falar “diretamente” com a população, sem a intermediação de outros poderes da República. 

Esses são também protagonistas que buscam estabelecer um vínculo supostamente íntimo, autêntico e emocional com seu povo. Tal postura implica métodos próprios para o aliciamento das classes sociais – em geral as com menor poder aquisitivo ou que passam por momentos de crises recessivas. Frases de efeito, rápidas e simples, repetidas em muitas ocasiões, são maneiras preferidas de comunicação, acionadas por esses líderes para angariar votos, conseguir legitimidade e assim adquirir prestígio e capital político.

Por isso mesmo, o populismo foi sempre encarado com certo grau de desconfiança, tanto por correntes de esquerda como de direita, que costumam se opor às formas “demagógicas” de atuação desses políticos, os quais, não raro, concedem benefícios sociais (como se fossem favores pessoais) por meio  do aumento dos gastos públicos. Tais líderes são também comumente entendidos como um “perigo” para a democracia, uma vez que, por conta de seus procedimentos extremamente personalistas, costumam desmobilizar e despolitizar os cidadãos, vendendo a imagem de que as “benesses” conseguidas seriam apenas fruto da vontade pessoal.

Lilia Schwarczé professora da USP e global scholar em Princeton. É autora, entre outros, de “O espetáculo das raças”, “As barbas do imperador”, “Brasil: uma biografia”, "Lima Barreto, triste visionário”, “Dicionário da escravidão e liberdade”, com Flavio Gomes, e “Sobre o autoritarismo brasileiro”. Foi curadora de uma série de exposições dentre as quais: “Um olhar sobre o Brasil”, “Histórias Mestiças”, “Histórias da sexualidade” e “Histórias afro-atlânticas". Atualmente é curadora adjunta do Masp para histórias.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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