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Finais de ano provocam revisões do que foi feito e planos para o ano seguinte. Seguindo este padrão, várias pessoas têm me perguntado o que poderia ou deveria ser feito para reduzir a corrupção no Brasil no próximo ano. Aqui vão algumas considerações.
Em primeiro lugar é preciso reconhecer que a grande corrupção existe, envolve grandes empresários e membros dos três Poderes, e corrói os pilares da democracia e o bom funcionamento da economia. Embora a corrupção seja considerada um problema para 90% da população no Brasil, segundo pesquisa da Transparência Internacional, muitos ainda se recusam a admitir sua existência. Preferem falar em “privilégios” e usar outros eufemismos quando se defrontam com a necessidade inescapável de se referir à corrupção ou a seus efeitos. Se não admitirmos a existência, não teremos chance de resolver o problema.
Essa é uma postura que caminha na contramão do que ocorre em vários centros de estudo e debates nos Estados Unidos e na Europa. Inúmeros seminários e programas de pesquisa vêm sendo desenvolvidos há décadas, ganhando impulso nos últimos anos pelo quadro impressionante de generalização da corrupção no Brasil e na América Latina desvendado pela Lava Jato. Organismos internacionais vêm dedicando cada vez mais atenção aos efeitos negativos da corrupção, como é o caso do FMI (Fundo Monetário Internacional), preocupado em medir seus impactos sobre a arrecadação tributária, a qualidade das obras e serviços públicos etc.
Parte da recusa em admitir a importância da corrupção é explicada pelo uso contínuo de antolhos ideológicos. A corrupção– o abuso do poder público em benefício privado – ocorre na inter-relação entre o setor público e o setor privado. Se a corrupção aumentou, como de fato ocorreu, os partidos que estiveram no poder durante esse período obviamente estavam envolvidos. Essa afirmação é uma decorrência lógica da própria definição de corrupção e não tem por motivação um furor persecutório como pretendem alguns. Partidarizar uma agenda tão relevante serve apenas para proteger os que praticaram a corrupção e manter o padrão indefinidamente. De fato, qualquer pessoa ou partido interessado na promoção do bem-estar da população e na eficiência da economia deveria se preocupar em reduzir a corrupção, pois a população mais pobre é proporcionalmente mais afetada pelos efeitos negativos da corrupção e do baixo crescimento econômico. Seria natural, portanto, que o combate à corrupção fizesse parte de uma agenda suprapartidária visando alterar as instituições que permitiram seu crescimento. Muito já se caminhou nessa direção, e o crescente descolamento de Bolsonaro quanto ao combate à corrupção talvez ajude a colocar uma pá de cal na equivocada (ou proposital) tentativa de qualificar essa agenda como privativa “da direita”.
Não há bala de prata, mas o caminho para reduzir a corrupção é conhecido, já foi seguido em outros países, e seus princípios podem ser adequadamente aplicados à realidade brasileira. Em linhas gerais, trata-se da criação de regras simples e transparentes para o funcionamento da economia, do governo, da política e da Justiça, que tenham por objetivo o bem comum e não o interesse das minorias que se apropriam dos três Poderes. É uma agenda ampla e ambiciosa que vem amadurecendo aos poucos a partir, especialmente, de estudos e propostas vindos da sociedade civil.
Assim, por exemplo, sem um sistema tributário simples e eficiente, não se reduz a evasão fiscal, nem se evita leis feitas sob medida para beneficiar grupos ou pessoas, ou “Refis” inaceitáveis que criam “moral hazard” (dano moral) e incentivam o não pagamento de tributos. Sem abertura da economia ao comércio exterior, não há acesso à tecnologia de ponta, nem concorrência que leve o empresário a buscar eficiência na produção. Sem uma reforma administrativa baseada em critérios meritocráticos, os governos continuarão funcionando como empregadores de última instância, inchando a máquina pública e tornando-a ineficiente e cara, gastando muito e oferecendo serviço público de péssima qualidade. Nessas condições obscuras, e sem critérios ou controle nos gastos públicos, viceja a corrupção e o desperdício de dinheiro público. Sem um Judiciário politicamente independente e eficiente, as reformas citadas são de pouca valia.
Cristina Pinottié graduada em administração pública pela EAESP-FGV e cursou o doutorado em economia na FEA-USP. É sócia da A.C. Pastore & Associados desde 1993. Antes trabalhou nos departamentos econômicos do BIB-Unibanco, Divesp e MB Associados. Concentra seus trabalhos na análise da macroeconomia brasileira, com ênfase em temas da política monetária, relações do país com a economia internacional, e planos de estabilização. Nos últimos anos tem se dedicado ao estudo da teoria da corrupção e da história da operação Mãos Limpas, na Itália. É autora de diversos artigos e livros. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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