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A IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado lançou na quarta-feira (19) uma breve nota sobre o teto de gastos e alertou sobre diversos artifícios de contabilidade criativa discutidos pelo governo para furar a regra. No texto, a IFI deixa claro que “promover alterações que aprimorem as regras fiscais do país pela via legislativa é completamente diferente” de realizar manobras como as que têm sido aventadas, preservando o teto somente para inglês ver. Nenhuma dúvida quanto a isso, aliás essa é exatamente a razão pela qual minha coluna anterior neste espaço propõe os princípios básicos de um novo arcabouço fiscal sustentável, transparente e alinhado com a experiência internacional para o qual deveríamos caminhar.
Mas para o curto prazo, a nota da IFI analisa o cenário em que o Orçamento aprovado para 2021 estoura o teto de gastos, acionando os gatilhos de contenção de despesas previstos na própria Emenda Constitucional 95, que criou a regra fiscal, em caso de descumprimento. Tais gatilhos incluem o impedimento à concessão de reajustes de salário mínimo e despesas obrigatórias acima da inflação; o congelamento de salários de servidores; a vedação à abertura de concursos para novas vagas no serviço público, entre outros itens. A projeção da IFI é de que isso seria capaz de produzir um ajuste de 0,5 ponto percentual do PIB em dois anos. A partir disso, veículos de imprensa interpretaram que o mero acionamento dos gatilhos já nos daria cerca de R$ 40 bilhões a mais para gastar em outras áreas.
Não é bem assim. Um Projeto de Lei Complementar aprovado em maio de 2020 para definir os termos das transferências da União para estados e municípios necessárias ao enfrentamento da pandemia já estabeleceu o congelamento de salários dos servidores públicos municipais, estaduais e federais até dezembro de 2021. Mesmo assim, o Orçamento previsto pelo governo para o ano que vem ainda reduz os gastos com saúde e educação em relação ao que tinha sido aprovado para 2020 antes da pandemia chegar.
Ou seja, calcular o quanto o governo deixaria de gastar por meio dos gatilhos do teto a partir de 2022 não significa que haveria espaço para a realização de maiores gastos sociais ou investimentos em infraestrutura. Como previsto pela própria IFI em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de junho de 2020, o teto deixaria no ano que vem uma margem de apenas R$ 56,3 bilhões para a realização de despesas não obrigatórias — um valor R$ 17,6 bilhões inferior ao que se estima que seria necessário para o mero funcionamento da máquina pública (manter Ministérios e órgãos públicos operando). Além disso, mesmo se os gatilhos forem permanentemente acionados pelo descumprimento do teto nos anos seguintes, essa margem projetada é cada vez menor, já que as despesas previdenciárias continuariam crescendo.
Assim, não é que os gatilhos permitiriam manter o teto atual e ao mesmo tempo expandir gastos com alguma forma de renda básica e/ou preservar recursos para saúde, educação e obras de reparo da infraestrutura. Tais despesas só poderiam ser expandidas se o próprio Orçamento aprovado pelo Congresso estourar o teto. Há dúvidas sobre qual seria o entendimento do Tribunal de Contas da União nesse caso, mas na prática é esse o caminho apontado na nota da IFI: o descumprimento do teto no Orçamento de 2021 e o consequente acionamento dos gatilhos para 2022 dariam o tempo necessário “para que o Congresso e o Poder Executivo endereçassem eventuais discussões e alterações no arcabouço vigente, se assim o desejassem”.
Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.
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