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Existem intelectuais que não são professores ou professoras, e existem intelectuais que são. Da mesma forma, nem todo intelectual é acadêmico. Mas a verdade é que todos os três precisam de formação e investimento (financeiro e pessoal) para ser o melhor no que se propõem a fazer. É comum se dizer que qualquer uma ou qualquer um pode ensinar, mas ser professora ou professor é algo muito mais complexo.
Uma pessoa pode gostar ou não de ser professora, mas gostando ou não devemos admitir: ser professora dá trabalho. Além de uma graduação em um curso de licenciatura, lecionar exige anos de formação, investimento em livros e dedicação para formular ou testar metodologias. Ensinar é um desafio, pois é preciso entender como seus alunos e alunas aprendem, o que os faz querer lhe ouvir. Se esse fato for ignorado, a aula é um fracasso, e gera sofrimento para ambos os lados: para a professora que acredita que sua classe é incompetente por não lhe entender e para a classe por ter que suportar uma professora ou professor arrogante.
Essa forma de ensinar que faz com que o outro/outra deseje aprender é a regra de ouro da educação, e a isso chamamos de metodologia de ensino. Seu sucesso depende de entender aquilo que no outro desperta a curiosidade e o desejo de aprender. Quando uma professora entende uma sala de aula e aplica a metodologia certa: bingo! Tocamos (ou arrebatamos) a pessoa. Só se toca alguém quando ela ou ele é visto e é reconhecido como alguém cujo conhecimento é importante.
Nas classes trabalhadoras, quando crianças, também aprendemos que “ser alguém” é uma medida que a elite social cria: é ser médico, é ser engenheiro, é ser advogado e, no caso das mulheres, também é casar. Contudo, lembro-me de mim, na tenra idade, brincando de ser professora com minhas bonecas, reproduzindo uma sala de aula no meu quarto. É durante o ensino médio que somos levadas a escolher e entender que entre o trabalho doméstico, um casamento ou um emprego informal no setor de serviços, ser professora é a melhor opção de uma moça negra e pobre. Diante dos dados recentes que apontam que as escolas particulares preterem professoras e professores negros , é nas escolas e faculdades públicas que a maioria de nós atua como profissionais.
Recentemente, foram vários os ataques ao ofício docente. Como se não bastasse a pandemia, os ataques cibernéticos durante as aulas que acontecem na maioria das vezes em disciplinas lecionadas por mulheres, é devastador o desprezo dos gestores públicos não só pela educação, mas também por professoras e professores. O secretário de Educação de Salvador, por exemplo, engenheiro elétrico com vasta experiência no ramo de gerenciamento e venda de combustíveis, afirmou em entrevista que acabam sendo professores aquelas e aqueles que não são os melhores alunos . Assim, na leitura do gestor, ser professor (ou cursar um curso de licenciatura) seria uma alternativa para as pessoas derrotadas do ponto de vista educacional e das oportunidades no mercado de trabalho – ao contrário, por exemplo, dos médicos, advogados, jornalistas, ou engenheiros, como ele mesmo, que supostamente representam a elite intelectual do país.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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