Coluna
Marta Arretche
Bolsonaro só aprendeu metade da lição. Governar requer mais
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A eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado parece ter inaugurado uma nova fase do governo Bolsonaro. Com o resultado das escolhas, o presidente consolidou uma guinada que já vinha sendo perseguida pela ala mais pragmática de seu governo desde meados de 2020, na direção da construção de uma coalizão que lhe dê sustentação parlamentar.
Avaliam positivamente a guinada os colegas que sustentam que enfim Bolsonaro teria se convertido às diretrizes produzidas pelo mainstream da ciência política. Para governar, é incontornável que um presidente brasileiro construa uma coalizão de sustentação que lhe garanta apoio no parlamento. É um dado da realidade que no Brasil a formação de maiorias parlamentares requer a adesão dos partidos aglutinados pelo centrão. Em sua versão mais pragmática, a interpretação sustenta que é até mesmo melhor que estes partidos estejam mais interessados em verbas e cargos. Desinteressados do conteúdo das políticas, se alugam a quem pagar melhor. Posto que a negociação nada tem de programática, podem, portanto, servir a qualquer governo. O vício se converteria em virtude.
De fato, o presidente seguiu o manual. Reportagem do Estadão, com acesso à planilha do Planalto, revela que R$ 3 bilhões em emendas parlamentares teriam sido destinados a 250 deputados e 35 senadores. A novidade está na clareza com que o Planalto deixa suas digitais na escolha do comando do Legislativo. Escolhas em primeiro turno são a regra nestas eleições. Rodrigo Maia obteve 334 votos no primeiro turno de votação em 2019, em eleição em que não há registro de interferência do Planalto. Até mesmo Eduardo Cunha ganhou em primeiro turno, com 267 votos, mas contra a vontade da presidente Dilma. De inimigo do “toma lá da cá”, Bolsonaro se converteu em praticante desta arte. Para quem apostava que Bolsonaro seria uma reencarnação de Jânio Quadros, a guinada foi realmente espetacular.
Ainda não se sabe muito bem quem se beneficiará deste “casamento de conveniência”. Nove entre dez analistas apostam que, cada vez mais dependente do centrão, Bolsonaro será obrigado a entregar ministérios e agências à voracidade destes partidos. Mas, se perder popularidade, será abandonado, assim como foram Collor e Dilma.
Bolsonaro discorda. Afirmou que, enfim, a pauta será destravada e que o governo poderá votar as matérias de seu interesse. Conhecemos o filme. Às primeiras cenas de grande entendimento entre Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e o ministro Paulo Guedes na formatação de um programa de auxílio emergencial, prioridade do primeiro, seguiu-se a reafirmação da imperiosa necessidade de responsabilidade fiscal, prioridade do terceiro. Há até mesmo quem alimente esperanças de aprovação de uma agenda de reformas.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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