Coluna
Luciana Brito
Afinal, o que quer quem defende a volta às aulas presenciais?
Temas
Compartilhe
Na semana passada eu aguardava na sala de espera para uma consulta médica quando acompanhei um debate sobre o retorno às aulas na cidade de Salvador. De um lado, uma mulher que, pelos argumentos, entendi tratar-se de uma professora: “Eu quero sim voltar a dar aula, quem lhe disse que eu não quero dar aula? Tenho colegas que estão deprimidas com saudades da escola.”
Do outro lado, uma mãe negacionista – e inclua-se aí outros possíveis “istas” nos quais ela poderia se encaixar, tanto pela postura agressiva, quanto pelo argumento negacionista: “Lugar de criança é na escola. Se o shopping está aberto e podem [as professoras] ir passear no shopping, por que não podem ir trabalhar? Devem estar todas na praia.”
Diante do debate, pensei comigo: quem diria. Os negacionistas, que silenciaram sobre o corte de gastos na educação e embarcaram no movimento Escola sem Partido e na defesa do “homeschooling”, ou educação doméstica, hoje são os maiores defensores – sobretudo defensoras – da volta às aulas presenciais.
As mulheres de classe média lideram o movimento, pois a desigualdade de gênero é cruel: recaiu sobre elas, embora privilegiadas, a tarefa de acompanhar as crianças nas aulas e ensinar o dever de casa. Uma das frases ditas pela “mãe defensora da educação”, aquela que protagonizou o bate-boca sobre o retorno às aulas presenciais na sala de espera do consultório, me fez chegar a essa conclusão: “Eu não aguento mais”. A tal defesa da educação ao gosto das pessoas privilegiadas é diferente daquela que poderia ser defendida pelas trabalhadoras que são mães de crianças que estudam na escola pública e que não podem manifestar sua insatisfação nas redes sociais e nas salas de espera de consultórios médicos. Muitas dessas, lembremos, estão nas cozinhas daquelas que hoje lideram o movimento de volta às aulas de forma imediata e presencial.
Foi logo no início do ano, quando, em condições normais, seria o momento de retorno às aulas, que pais e mães cujos filhos e filhas estudam em escolas particulares começaram sua mobilização. Em Salvador, as aulas estão suspensas desde março de 2020.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas