Coluna

Luciana Brito

Afinal, o que quer quem defende a volta às aulas presenciais?

22 de fevereiro de 2021

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A defesa da educação ao gosto das pessoas privilegiadas é diferente daquela que poderia ser defendida pelas trabalhadoras que são mães de crianças que estudam na escola pública

Na semana passada eu aguardava na sala de espera para uma consulta médica quando acompanhei um debate sobre o retorno às aulas na cidade de Salvador. De um lado, uma mulher que, pelos argumentos, entendi tratar-se de uma professora: “Eu quero sim voltar a dar aula, quem lhe disse que eu não quero dar aula? Tenho colegas que estão deprimidas com saudades da escola.”

Do outro lado, uma mãe negacionista – e inclua-se aí outros possíveis “istas” nos quais ela poderia se encaixar, tanto pela postura agressiva, quanto pelo argumento negacionista: “Lugar de criança é na escola. Se o shopping está aberto e podem [as professoras] ir passear no shopping, por que não podem ir trabalhar? Devem estar todas na praia.”

Diante do debate, pensei comigo: quem diria. Os negacionistas, que silenciaram sobre o corte de gastos na educação e embarcaram no movimento Escola sem Partido e na defesa do “homeschooling”, ou educação doméstica, hoje são os maiores defensores – sobretudo defensoras – da volta às aulas presenciais.

As mulheres de classe média lideram o movimento, pois a desigualdade de gênero é cruel: recaiu sobre elas, embora privilegiadas, a tarefa de acompanhar as crianças nas aulas e ensinar o dever de casa. Uma das frases ditas pela “mãe defensora da educação”, aquela que protagonizou o bate-boca sobre o retorno às aulas presenciais na sala de espera do consultório, me fez chegar a essa conclusão: “Eu não aguento mais”. A tal defesa da educação ao gosto das pessoas privilegiadas é diferente daquela que poderia ser defendida pelas trabalhadoras que são mães de crianças que estudam na escola pública e que não podem manifestar sua insatisfação nas redes sociais e nas salas de espera de consultórios médicos. Muitas dessas, lembremos, estão nas cozinhas daquelas que hoje lideram o movimento de volta às aulas de forma imediata e presencial.

Foi logo no início do ano, quando, em condições normais, seria o momento de retorno às aulas, que pais e mães cujos filhos e filhas estudam em escolas particulares começaram sua mobilização. Em Salvador, as aulas estão suspensas desde março de 2020.

Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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