Coluna

Duda Salabert

Devemos ir à manifestação de 12 setembro?

10 de setembro de 2021

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Atos estão sendo organizados pelo MBL, que foi combustível ideológico que ajudou a construir o bolsonarismo

No domingo (12), ocorrerão pelo país manifestações pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Diferentemente do que ocorreu nos últimos dois anos, esses atos anti-Bolsonaro não estão sendo puxados por partidos e por organizações da esquerda, mas sim pelo MBL (Movimento Brasil Livre) – movimento que em um passado próximo apoiou Eduardo Cunha, o golpe contra a Dilma, o governo Temer, a campanha de Bolsonaro, etc. Além desses apoios, o MBL foi o combustível ideológico que ajudou a construir o bolsonarismo, defendendo, por exemplo, o projeto “Escola Sem Partido, ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), a censura de exposições de arte e a criminalização do que eles chamam “ideologia de gênero”.

Em síntese, as mãos que pavimentaram a vitória de Bolsonaro e que modelaram o bolsonarismo estão agora construindo atos contra o presidente e pedindo apoio do campo progressista em uma tentativa de reeditar as “Diretas Já”. Sei que as forças das esquerdas hoje não conseguem, sem apoio de outros campos político-ideológicos, derrubar Bolsonaro. Daí a pergunta: devemos participar dessas manifestações pelo fato de compartilharmos como denominador comum o impeachment do presidente?

É importante evidenciar que estamos hoje mergulhados na maior crise política, econômica e socioambiental da história do país. Bolsonaro, diante de tal cenário, tem dado um contorno maior naquilo que lhe deu força e lhe promoveu durante a campanha eleitoral: posicionar-se contra o sistema democrático estabelecido. Ao aumentar o tom autoritário, o presidente – diferentemente do que muitos pensam – tem obtido êxitos, pois está conseguindo criar um movimento de massas que possui grande poder de ação e de mobilização. Parte da massa eleitoral de 2018 tem se transformado em um exército bolsonarista, que está disposto a colocar em prática o que sempre foi defendido por seu líder: erodir a democracia. Ao aumentar o tom, Bolsonaro também está conquistando outro êxito: deixar de ser reconhecido por uma parcela da sociedade como político para ser visto e tratado como “herói nacional”. Esse ingrediente heroico – que já estava presente no momento da facada recebida – tem ganhado força e se fossilizado em frases nas quais Bolsonaro afirma que só sairá da presidência morto.

As mãos que pavimentaram a vitória de Bolsonaro e que modelaram o bolsonarismo estão agora construindo atos contra o presidente e pedindo apoio do campo progressista

Tal cenário mostra que enfrentar Bolsonaro hoje significa confrontar uma figura que possui, para uma parte considerável da sociedade, um contorno mítico, heroico, cujas ordens mobilizam uma massa com grande capacidade de ação. Não podemos ignorar que no momento de maior crise econômica da história nacional, Bolsonaro conseguiu mobilizar muita gente em seu favor nas manifestações de 7 de setembro. Nesse sentido, para conquistar o impeachment de Bolsonaro, não resta dúvida de que é necessário a sinergia de vários campos políticos. Mas isso significa que temos que ir ao ato pensado e puxado por um movimento que, em diversos momentos, colocou em prática métodos fascistas?

No momento da escrita desse texto faltam 48h para as manifestações de 12 de setembro. Eu ainda não decidi se vou participar dos atos. Não estou em cima do muro, estou refletindo, sobretudo pelo fato de eu ser uma mulher transexual. Para quem não sabe, os direitos das pessoas travestis e transexuais sempre foram atacados, violentados e perseguidos pelos membros do MBL. Então, não sei como eu seria recebida e quais violências sofreria dentro de um ato do Movimento Brasil Livre, daí também minha postura reticente.

Carrego em mim, no entanto, algumas certezas: se queremos defender a democracia e a justiça social, devemos lutar contra Bolsonaro e o bolsonarismo; quem tem legitimidade para estar no protagonismo de atos pró-democracia são os grupos, movimentos e partidos que nos últimos anos lutaram pela defesa da democracia. A minha participação ou não das manifestações de 12 de setembro dependerão da conclusão que eu tirar das seguintes perguntas que tenho feito: do que adianta vencer Bolsonaro, mas deixar o bolsonarismo vivo e forte na base do Mourão ou de outro candidato que decida se alinhar com esse campo antidemocrático e violento? O MBL rompeu com Bolsonaro, mas abandonou o bolsonarismo? Serão importantes alianças de vários campos políticos contra Bolsonaro e em defesa da democracia, mas essa sinergia deve ocorrer dentro de um ato puxado por um movimento que ajudou a esvaziar o conteúdo da democracia brasileira? Entrego essas perguntas a vocês, leitores.

Duda Salabert

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