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Um pesquisador do Datafolha foi agredido com chutes e socos e ameaçado com uma faca por um bolsonarista em Ariranha, cidade do interior de São Paulo. Uma jornalista foi agredida verbalmente pelo candidato Jair Bolsonaro em um debate televisivo de altíssima audiência apenas por desempenhar corretamente sua função de fazer perguntas. O mesmo ataque verbal foi repetido dias depois por um apoiador do presidente contra a mesma jornalista, exatamente nos mesmos termos. O candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) cancelou viagem a Mato Grosso após informações de que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ruralista Antônio Galvan – candidato ao Senado – se organizavam para tumultuar seus eventos de campanha.
Em que medida episódios deste tipo, que evidentemente afetam a liberdade de expressão de eleitores, jornalistas e candidatos, são punidos pelos eleitores? Dito de outro modo, um candidato associado a esse tipo de comportamento perde votos? Lamento informar, mas as notícias não são auspiciosas.
Quando um eleitor tem intensa preferência por um candidato ou partido, tende a considerar que não votar em seu próprio candidato, quando este adota atitudes que violam princípios democráticos, implicará na vitória eleitoral do candidato que detesta. Nestas situações, indivíduos que sinceramente se autodeclaram democratas votam em candidatos que adotam comportamentos antidemocráticos. Em contextos polarizados, quando confrontados entre suas preferências partidárias e seus valores democráticos, eleitores politizados sacrificam os segundos em favor das primeiras. É isto que têm revelado os estudos experimentais.
Por que os estudos experimentais são superiores às pesquisas de opinião? Nas últimas, a pesquisa pode ser viesada quando as perguntas envolvem matérias afetadas por desejabilidade social. Isto é, se perguntado se é favorável ou não à democracia, um eleitor pode responder positivamente apenas porque sente-se constrangido para expressar sua verdadeira opinião, posto que a democracia é um bem socialmente valorizado. Neste caso,surveys tendem a superestimar a rejeição às violações aos princípios democráticos. Em estudos experimentais, por sua vez, os indivíduos são expostos a situações que simulam fatos da vida real e levados a fazer escolhas. As escolhas revelam suas reais preferências. Esta técnica de coleta de dados apresenta resultados mais próximos ao comportamento eleitoral, isto é, o voto depositado na urna.
Um candidato associado a episódios que afetam a liberdade de expressão perde votos? Lamento informar, mas as notícias não são auspiciosas
Em um experimento realizado na Venezuela em 2016 (em contexto de alta polarização), Milan W. Svolik, da Universidade Yale (EUA), pediu aos respondentes para escolherem entre candidatos que apresentavam plataformas polares de política econômica (se bolivarianas ou não) e de reforma do sistema eleitoral (relativas à composição da Suprema Corte e do registro de eleitores). Encontrou que 85% dos entrevistados de sua amostra declararam concordar com a afirmação de que “a democracia é a melhor forma de governo”. Contudo, 55% destes mesmos respondentes declarou-se disposta a votar no candidato alinhado com propostas menos democráticas se sua plataforma se aproximasse de suas preferências por política econômica.
Se você pensou que a Venezuela pode ser uma exceção, lamento informar que um experimento natural ocorrido em Montana (EUA) em 2017 aponta na mesma direção. Na véspera do dia da eleição presencial para uma única cadeira para a Câmara dos Deputados, o candidato republicano agrediu um jornalista do jornal britânico The Guardian que lhe fazia perguntas sobre a reforma do sistema de saúde (um tema altamente divisivo entre republicanos e democratas nos EUA). O ataque teve ampla cobertura da imprensa. A despeito disso, o candidato republicano ganhou a eleição. O estudo consistiu em comparar a escolha dos votantes presenciais com as escolhas deste mesmo grupo em eleições anteriores. Na eleição de 2017, apenas estes eleitores haviam sido informados que o candidato republicano poderia desrespeitar a atividade da imprensa. Os eleitores que votaram pelo correio (por meio doabsentee voting) haviam votado antes da agressão e, portanto, não estavam informados do comportamento do candidato republicano. A comparação revelou que a punição eleitoral à agressão ao jornalista foi menor entre os eleitores do partido republicano. Apenas os eleitores mais moderados puniram com seu voto a violação à liberdade de imprensa.
Se perguntados, 85% dos eleitores americanos “concordam” ou “concordam fortemente” que a democracia “é melhor do que as demais alternativas”. Porém, estudo experimental conduzido por Matthew Graham e Milon Slovik (ambos de Yale) encontrou que apenas 13% de seus entrevistados deixariam de votar em seu candidato preferido caso este defendesse medidas que violassem liberdades civis,checks and balances ou igualdade de participação eleitoral. Sua conclusão é clara: eleitores intensamente politizados relaxam suas crenças democráticas quando está em jogo a sobrevivência eleitoral de candidatos que expressam preferências semelhantes às suas em matéria de políticas públicas.
Desconheço estudos experimentais sobre o comportamento dos eleitores brasileiros quando confrontados entre suas preferências partidárias e sua adesão a princípios democráticos. Mas estes estudos nos permitem melhor entender as possíveis razões pelas quais as pesquisas de intenção de voto pouco se alteram a despeito da escalada de violência e intimidação nesta reta final das eleições. Resta-nos apenas o triste consolo de saber que esta não é uma jabuticaba brasileira.
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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