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Agenda 227

O combate à fome precisa ser prioridade em 2023

06 de outubro de 2022

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Pobreza atinge quase 45% das crianças com até 6 anos de idade. O próximo presidente precisa mobilizar ministérios com urgência e implementar medidas já a partir de janeiro

Retrato de um país afundado na miséria, a imagem de homens e mulheres revirando carcaças de animais em busca de comida para seus filhos girou o mundo em 2021, no auge da pandemia da covid-19 no Brasil. De acordo com dados da Rede Penssan , hoje mais de 33 milhões de pessoas passam fome, com efeitos especialmente perversos sobre as faixas etárias mais jovens. Nada menos de 37,8% das famílias com crianças menores de 10 anos enfrentam insegurança alimentar grave ou moderada, ou seja, passam fome ou têm uma alimentação insuficiente.

Segundo pesquisa recém divulgada pelo Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho – Data Social , da PUC-RS, quase 45% das crianças com até 6 anos de idade estavam em situação de pobreza em 2021 e viviam com até R$ 467,67 por mês. Por sua vez, o índice de crianças que dispunham de menos de R$ 161 por mês ficou em 12,7%. A pobreza desencadeia a fome. Uma criança em fase de desenvolvimento e que está desnutrida terá problemas físicos, motores, cognitivos e socioemocionais ao longo da vida. Mas a fome também produz impactos no longo prazo, com implicações negativas podendo se estender por até três gerações. Em síntese, é questão da maior urgência no processo de reconstrução de um país que seja mais justo, sustentável e próspero.

As organizações que integram a Agenda 227 debruçaram-se sobre o dramático quadro do Brasil atual em busca de soluções. Um grupo de especialistas e entidades comprometidas com o enfrentamento da fome, da pobreza e das desigualdades que historicamente marcam o país elaborou um conjunto de propostas visando tanto responder a aspectos emergenciais do problema como orientar a formulação de políticas públicas de largo prazo.

A primeira dessas propostas demanda que o presidente eleito no final de outubro declare, já em janeiro de 2023, o combate à fome como prioridade nacional. Para isso, será necessário que o novo governo articule uma força-tarefa interministerial, desenhe uma série de medidas emergenciais e acompanhe, passo a passo, o processo de implementação dessas iniciativas.

A fome é questão da maior urgência para as crianças brasileiras e para o processo de reconstrução de um país mais justo, sustentável e próspero

Entre outras ações, o “ Plano País para a Infância e a Adolescência ” da Agenda 227 propõe o imediato reestabelecimento do Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e seus órgãos federais (Consea e Caisan) e a elaboração de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para o período de 2023 a 2026. Vale registrar que o desmonte dessas instituições, ocorrido nos últimos anos, é uma das causas para o agravamento da fome no Brasil – problema que vinha se intensificando a partir da forte restrição orçamentária imposta pela Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, em 2016.

Além disso, também é fundamental que a próxima administração federal desenvolva um programa de transferência de renda não condicionada que atenda a todas as famílias pobres, incluindo benefícios para crianças e adolescentes e um adicional de 20% para mães negras empobrecidas em família monoparental.

Outra proposta da Agenda 227 é aumentar em 63% o valor per capta do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), o maior do mundo na distribuição gratuita de alimentos associado à educação. Atualmente o Pnae atende mais de 40 milhões de estudantes nas redes públicas, porém desde 2017 os valores dos repasses do programa às escolas se mantêm inalterados. Além disso, em 2022 se registrou o menor aporte de recursos desde 2018, em termos correntes. Em termos reais, a diferença de 2021 para 2022 foi de 14,6% (levando em conta o IPCA de abril de 2022), o que tem impactado fortemente na quantidade e qualidade dos alimentos ofertados aos alunos. Apesar de o Pnae não ter como objetivo a redução da pobreza e das desigualdades, é uma ferramenta indispensável para mitigar de imediato o problema da fome entre crianças e adolescentes.

Faz somente oito anos desde que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura declarou que o Brasil havia deixado o Mapa da Fome. Por um lado, é espantoso que tenhamos regredido de forma tão acelerada; por outro, devemos lembrar da experiência acumulada nesse campo em termos de políticas públicas. O que não pode faltar ao novo governo, portanto, é vontade política para voltar a colocar em prática várias das estratégias que levaram o país a tornar-se referência internacional no combate à fome.

Veet Vivarta , jornalista, coordenador da área de justiça e primeira infância da ANDI – Comunicação e Direitos e integrante da equipe executiva da Agenda 227.

Cristiane Ribeiro , psicóloga e psicanalista, mestre em promoção da saúde e prevenção da violência pela UFMG, co-gestora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e ativista do N’ZINGA – Coletivo de Mulheres Negras.

Agenda 227é um movimento apartidário da sociedade civil brasileira que tem como objetivo colocar crianças e adolescentes no centro da construção de um Brasil mais justo, próspero, inclusivo e sustentável para todos, a partir da concretização da prioridade absoluta garantida à população de 0 a 18 anos pelo artigo 227 da Constituição Federal.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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