Coluna
Januária Cristina Alves
Estamos enredados: como tornar as redes mais seguras?
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“Navegar é preciso, viver não é preciso.” A frase, primeiramente proferida pelo general romano Pompeu no século 1º a.C., que por meio dela encorajava marinheiros receosos de enfrentar os desafios do mar, propagou-se ao longo dos séculos no seu sentido mais conhecido, aquele que incentiva as pessoas a superarem os obstáculos da vida, já que é por isso que ela tem sentido. Usada também pelo poeta italiano Petrarca para, então, tornar-se verdadeiramente conhecida no mundo inteiro através do poeta português Fernando Pessoa, é mais atual do que nunca. Caetano Veloso, um dos nossos grandes poetas, já se deu conta de sua contemporaneidade e dos múltiplos sentidos que ela evoca quando a inseriu em sua canção “Os argonautas”, de 1969, deixando propositadamente a última frase em aberto: “navegar é preciso, viver …” evocando, assim, uma miríade de interrogações e sentidos, que cabem como uma luva no momento em que nos encontramos. Estamos inevitavelmente enredados. Vivemos nas redes uma vida com tantos desafios quanto aquela daqueles que, nos séculos 15 e 16, enfrentaram as chamadas grandes navegações. Singrar os mares das redes sociais requer competências e habilidades que precisamos, mais do que nunca, aprender e cultivar.
Segundo a plataforma online especializada em dados de mercado e consumidores Statista, em janeiro de 2023 haviam 5,16 bilhões de usuários de internet em todo o mundo, o que representa 64,4% da população global. Desse total, 4,76 bilhões, ou melhor, 59,4% da população mundial, eram usuários de redes sociais. Dados da edição 2022 do infográfico Data Never Sleeps (“dados nunca dormem”, em tradução livre) da Domo, empresa especializada em computação na nuvem, dão conta de que a cada minuto do dia, no mundo inteiro, 5,9 milhões de pesquisas são feitas no Google, 66 mil fotos são postadas no Instagram, mais de 347 mil tuítes são publicados no Twitter, 500 horas de vídeo sobem no YouTube e 1,7 milhão de conteúdos são compartilhados no Facebook. Os números são quase assustadores e é muito difícil que consigamos imaginar como isso se dá na prática, pois a sua magnitude faz com que pensemos que eles estão distantes de nós. Só que não, e é sobre isso que precisamos falar com muita atenção e seriedade.
No Brasil, navegar pelas redes sociais está entre as atividades online mais realizadas por usuários da internet com 10 anos ou mais – em 2021, 81% deles acessaram essas plataformas, segundo a edição mais recente da TIC Domicílios, pesquisa do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), do NIC.br. Se parafrasearmos a frase “navegar é preciso” com o sentido de que “preciso” quer dizer “exato”, estaremos mais perto do que é fundamental aprendermos para navegarmos em segurança nas redes sociais: precisamos ser metódicos, usarmos métodos científicos, observarmos com atenção o que ali acontece. Para navegar nessas redes é preciso cuidado redobrado, pois nesse mundo digital é muito mais complexo reconhecer os perigos. Nesse sentido, como venho defendendo há tempos, é preciso educar para as redes com urgência e precisão.
Pensando nisso é que foi criado, em 2004, o Dia da Internet Segura , celebrado em 7 de fevereiro. O Safer Internet Day é uma data global e é uma iniciativa das redes Insafe-Inhope e da Comissão Europeia. No Brasil, a data é comemorada desde 2009. O dia é 7 de fevereiro, mas as ações são lançadas e efetivadas ao longo de todo o ano. “Buscamos ampliar cada vez mais a atuação na promoção do uso seguro, consciente e responsável da rede, de forma que um número maior de usuários seja beneficiado. Uma iniciativa como o Dia da Internet Segura vem ao encontro da missão do NIC.br, por isso é uma satisfação fazer parte, por tantos anos, da organização da edição brasileira desse evento global, que une atores de diferentes países em prol da mesma causa”, afirmou Demi Getschko, diretor-presidente do NIC.br.
Os dados da pesquisa mais recente da Safernet são, de fato, preocupantes. Baseada nas denúncias recebidas pela CND (Central Nacional de Denúncias) da ONG, a pesquisa revelou que o Brasil teve cerca de 112 mil denúncias de abuso e exploração sexual na internet em 2022 — uma média de 306 por dia. Houve, ainda, um crescimento de 68% nas denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio na internet. Em 2022, somente as denúncias de xenofobia cresceram 874% no Brasil, em relação ao ano anterior. “Durante o ano de 2022, a polarização do debate político aumentou a radicalização e houve aumento de denúncias de crimes de ódio registrados pela Safernet em relação à 2021. Já as denúncias relacionadas ao armazenamento, divulgação e produção de imagens de abuso e exploração sexual infantil também cresceram. Foram mais de 100 mil denúncias, o que mostra que a sociedade está atenta e denunciando, mas que a repressão penal sozinha não basta. São necessárias ações preventivas”, comentou o diretor-presidente da instituição, Thiago Tavares. Qualquer pessoa pode usar o canal de denúncias da Safernet, é só acessar o link .
Para navegar nas redes é preciso cuidado redobrado, pois nesse mundo digital é muito mais complexo reconhecer os perigos
No evento de 2023, a Safernet lançou várias iniciativas destinadas à orientação e prevenção de riscos na internet. Todas podem e devem ser usadas pelas famílias, escolas, instituições de apoio a crianças e jovens, etc., porque são materiais bastante acessíveis, práticos e que podem auxiliar a todos nós, cidadãos digitais. Vale destacar o fascículo inédito “Redes Sociais”, da Cartilha para Segurança da Internet, que indica os cuidados essenciais para um uso seguro dessas plataformas digitais e está dividido em duas partes: “Cuidados essenciais nas redes sociais” e “Cuidados com sua reputação online”; e o lançamento de mais um perfil do NIC.br no Instagram, cujo foco é divulgar dicas sobre segurança na internet. Além do perfil, todos os materiais de conscientização de segurança do NIC.br estão disponíveis no portal do mesmo nome, o acesso é livre e gratuito .
É muito animador constatar que iniciativas como essas podem facilitar a nossa navegação. Precisamos, mais do que nunca, de instrumentos que nos sirvam como bússolas confiáveis, pois os mares estão cada dia mais revoltos. Porém, nunca é demais lembrar que a Educação para as Redes requer tempo e dedicação, e que os resultados nem sempre serão vistos aqui e agora. Como disse o romancista, filósofo e teórico da literatura e da linguagem Umberto Eco: “a internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá sem hierarquia. (…) não penso que ela possa fazer a crítica da vida, porque o trabalho crítico significa filtrar, distinguir as coisas, ao passo que a internet é como o personagem do [escritor argentino Jorge Luis] Borges, Funes, memorioso: ela lembra de tudo, não esquece nada. Seria preciso exercer essa crítica — filtrar, distinguir — sobre a própria internet. Eu sempre digo que a primeira disciplina a ser ministrada nas escolas deveria ser sobre como usar a internet, como analisar e filtrar informações. (…) (pois) Conhecer é cortar, é selecionar. (…) Conhecer é filtrar.
Tendo tudo isso em vista eu diria, se me permitem aqui os leitores: navegar com precisão é preciso, pois sem isso, viver… (on e offline) será quase inviável.
Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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