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Luiz Augusto Campos

Quem é pardo no Brasil? Uma história plural e controversa

26 de dezembro de 2023

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A categoria pode ser utilizada de formas múltiplas e, por vezes, opostas, o que ajuda a explicar por que sua definição se tornou tão polêmica depois das ações afirmativas

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou, na última sexta-feira (22), os dados sobre a autodeclaração racial dos brasileiros. Os principais jornais destacaram que, pela primeira vez desde a década de 1990, os “pardos” são o grupo majoritário (45,3%) da população, ultrapassando os brancos (43,5%), os pretos (10,2%), os indígenas (0,8%) e os amarelos (0,4%). Desde 1872, quando foi realizado o primeiro censo nacional, a categoria “parda” esteve presente em oito dos 12 recenseamentos. Apesar dessa constância, os significados históricos do termo mudaram profundamente e, até hoje, são plurais e controversos.

Ainda no Império, os organizadores do primeiro censo empregaram o termo para entender as transformações de uma sociedade fortemente escravocrata. A questão “raça” então era considerada auxiliar da questão “condição”, que dividia o Brasil entre “livres”, “escravos” e “libertos”. De todo modo, “pardos” somaram 38,3% da população, 0,2 ponto percentual a mais que brancos. Já sob influência das teorias do branqueamento, a categoria “parda” foi substituída, no censo de 1890, pelo termo “mestiço”, considerado à época “mais objetivo”. É curiosamente no mais eugenista dos censos, o de 1920, que a questão sobre raça desaparece da pesquisa sob a alegação de que a autodeclaração não fornecia uma base sólida para atribuir a “raça objetiva” de alguém.

Só em 1940, já sob a égide do Estado Novo e de seu elogio à mestiçagem, que a questão retorna, mas agora nomeada como “cor”. Novamente, a categoria “pardo” é suprimida, pela expectativa de que a população não reconheceria o termo de modo orgânico na linguagem cotidiana. No entanto, mais de 20% dos entrevistados recusou as opções disponibilizadas (“branco”, “preto” e “amarelo”), o que denotava certa preferência por categorias que indicavam tipos híbridos. É só em 1950 que a categoria “pardo” retorna ao censo, permanecendo em quase todas as suas edições posteriores. Afora o ano de 2000 e de 1980, a participação do grupo vem crescendo cerca de 3 pontos percentuais a cada década, registrando 26,5% em 1950; 29,5% em 1960; 38,8% 1980; 42,6% em 1991; 38,9% em 2000; 41,6% em 2010.

Contudo, é difícil imputar uma tendência linear a esses números. Apesar de hoje ser preferida pela maioria da população, a categoria “pardo” está longe de nomear uma identidade política forte e homogênea para seus adeptos. Atualmente, seu emprego pode ser interpretado no mínimo de quatro diferentes modos.

O primeiro e cada vez mais comum emprego entende o pardo como parte da população negra. Com a rearticulação do movimento negro no fim da década de 1970, ativistas se envolveram em acirrados debates sobre como definir a negritude no país. Parte deles entendia que “negro” era sinônimo de “preto” e deveria se restringir à militância consciente dos efeitos do racismo no Brasil. Esse contingente era francamente minoritário, o que restringia a base de representação do movimento negro a uma minoria numérica da sociedade.

Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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