Coluna

Luciana Brito

Diante de todo o caos, aqui uma breve palavra final

08 de maio de 2024

Temas

Compartilhe

‘Passar a boiada’ não se resume a políticas antiambientais. Há no Brasil um projeto multidimensional de destruição

Aos poucos estamos entendendo que a tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul não é somente fruto da força da natureza. Se ela manifesta sua potência, por outro lado, a ignorância e irresponsabilidade, aliadas à sanha por mais lucro, desprezaram os alertas de ambientalistas e cientistas sobre os efeitos das chuvas em tempos de aquecimento global. Como resposta, quando a catástrofe aconteceu, vitimando, como sempre, as pessoas mais pobres, o velho jogo das fake news e da isenção de responsabilidades ganhou força.

Hoje se sabe que a região Sul do país tem o maior número de parlamentares avessos às leis de proteção ambiental. Sabe-se também que os poderes públicos foram alertados sobre os efeitos das chuvas que viriam. As cenas lamentáveis que hoje assistimos, de desumanização das pessoas através da destruição das suas casas, mortes e desabrigo, são obras não de um acidente imprevisível, mas sim de uma política imediatista que visa, em primeiro lugar, o lucro. A estratégia para concretizar essa política é reduzir a defesa da conservação do meio ambiente a pautas da esquerda, de quilombolas e de povos indígenas que ousam existir e resistir. 

A destruição do meio ambiente põe em risco a própria humanidade. 

A extrema direita brasileira segue um projeto multidimensional de destruição. Chamo de multidimensional porque é um projeto variado. “Passar a boiada” não se resume a políticas antiambientais.

Neste mês de maio, representantes da extrema direita deste país, que abriga a maior população negra fora do continente africano, uniram-se a líderes da extrema direita supremacista branca alemã e estadunidense para discutir “democracia” e “liberdade”. Nada disso é coincidência: o Brasil segue se apresentando como um território fértil para experimentos racistas, de políticas de extermínio, de leis e práticas sociais que cada vez mais tratam com leniência a violência gratuita contra povos negros, que praticam religião de matriz africana, e indígenas — muitas das vezes tendo agentes do Estado como braço dessa violência.

Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas