Coluna

João Paulo Charleaux

E se a ONU tivesse uma Força de Paz para Líbano-Israel? 

08 de outubro de 2024

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Ela já está lá, há 46 anos, mas se mostra incapaz de cumprir sua missão: evitar conflitos entre os dois países

A ONU (Organização das Nações) mantém há 46 anos 10.058 militares, de 50 países — incluindo 11 brasileiros — estacionados na região entre o Líbano e Israel. Eles estão lá desde 1978 para impedir exatamente o que está acontecendo agora: uma guerra. Mas por que não conseguem impedir?

A Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano, na sigla em inglês) foi criada quando Israel invadiu o Líbano pela primeira vez. Desde então, ao longo de quase 50 anos, essas invasões voltaram a se repetir — em 1982, em 2006 e agora, em 2024. À medida que o conflito se repetia, o mandato das tropas da ONU foi sendo renovado e ampliado pelo Conselho de Segurança, mas esse ciclo de agressões entre libaneses e israelenses nunca cessou, como vemos agora, neste novo capítulo, envolvendo o Hezbollah.

Em 2000, a ONU desenhou no mapa a apelidada Linha Azul ­— um traçado de 120 km de extensão que reconstitui aproximadamente a Linha de Demarcação do Armistício de 1949 entre os dois países. No entanto, nenhum dos dois lados aceita integralmente as coordenadas dessa fronteira traçada pelas Nações Unidas; os libaneses questionam 13 coordenadas de demarcação da Linha Azul. Os israelenses rejeitam a proposta, sem detalhar precisamente do que discorda.

Para evitar disputas militares que tentassem empurrar essa linha para um lado ou outro, a Unifil passou a dedicar grande parte de sua energia, a partir de 2007, a fincar 541 marcos físicos que sinalizassem o traçado da linha, mas esse processo foi interrompido em 2022, com a recomendação de que as partes voltassem a negociar o assunto entre si.

Só que a cartografia, que consome tanta energia da Unifil, é apenas uma das atribuições de uma força multinacional de paz à qual caberia ainda desmilitarizar a zona do sul do Líbano que vai do Rio Litani até essa disputada Linha Azul, para que grupos armados libaneses, como o Hezbollah, não usassem essa região para disparar foguetes e mísseis contra Israel. Além disso, o componente naval da missão, que esteve sob comando brasileiro por nove anos (2011-2020), tem a atribuição de impedir que agentes externos contrabandeiem armas e munições para grupos armados libaneses — o que conflita justamente com a acusação de que o Irã subvenciona o Hezbollah com parte dos mísseis e foguetes que são lançados contra Israel. 

João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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