Airbnb: o unicórnio causador de discussões em condomínios

Ensaio

Airbnb: o unicórnio causador de discussões em condomínios
Foto: Metro Centric/Creative Commons

Antonio Moacir Furlan Filho


05 de janeiro de 2020

Tema controverso nos tribunais, o uso da plataforma digital para locação de imóveis tem impacto significativo na economia brasileira

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Um unicórnio tem sido motivo de discórdia nos condomínios edilícios residenciais. Mas não se trata do mitológico cavalo branco com seu chifre em espiral.

Trata-se do conceito de unicórnio do mundo dos negócios, criado por Aileen Lee, fundadora do fundo de investimento americano Cowboy Ventures, para classificar as startups que atingem valor de mercado de US$ 1 bilhão. O unicórnio cujo nome causa calafrios em muitos síndicos se chama Airbnb.

O Airbnb é a maior plataforma on-line do mundo de compartilhamento de imóveis. Fundada em 2008 em São Francisco, nos EUA, e hoje com valor estimado de mercado de US$ 31 bilhões, sua oferta inicial de ações (IPO) está prevista para 2020.

Seu funcionamento é simples: na qualidade de “anfitrião”, você anuncia o seu imóvel ou uma parte dele na plataforma. A pessoa interessada (“guest”) escolhe as datas de entrada e saída, faz a reserva, efetua o pagamento e a locação está sacramentada. Os prazos mínimo e máximo são definidos pelo proprietário do imóvel.

É um sistema interessante para quem tem um imóvel (ou parte dele) disponível e não deseja uma locação tradicional, com duração superior a 90 dias – embora a Lei do Inquilinato não preveja um prazo mínimo, seu artigo 48 estabelece que, se for por até 90 dias, a locação é considerada para temporada (residência temporária do locatário).

O negócio também é interessante para quem deseja um local temporário para ficar, pois muitas vezes os preços são mais atrativos que os de hotéis ou similares. Sem contar, claro, a chance de “ter” uma casa, um apartamento ou até um castelo só para você.

Nesse contexto, não se pode negar que o impacto desse unicórnio na nossa economia é bastante significativo.

Segundo o estudo “Cadeia de Valor e Impactos Socioeconômicos das Operações do Airbnb no Brasil”, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), em 2016 as locações via Airbnb nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo movimentaram US$ 476,4 milhões, somando os impactos diretos, indiretos e induzidos sobre a cadeia produtiva.

Apesar desse imenso impacto positivo na economia e de toda a praticidade e comodidade proporcionadas pelo Airbnb, esse unicórnio tem causado muitas discussões nos condomínios edilícios.

Que esse unicórnio não tenha seu chifre serrado por uma decisão retrógrada, oxalá continue desfilando Brasil afora, movimentando a economia e servindo como ferramenta útil

De um lado, condôminos e síndicos insatisfeitos com a alta rotatividade de moradores, com o suposto desgaste das áreas comuns do condomínio, com a pretensa falta de segurança aos condôminos e com o alegado desvio de finalidade no uso dos imóveis, que estariam sendo utilizados de forma comercial, e não residencial.

De outro lado, proprietários que apenas desejam dispor livremente dos seus imóveis por meio de uma atividade lícita, autorizada pelo artigo 48 da Lei do Inquilinato, ou seja, a locação por temporada.

O tema é controverso nos tribunais brasileiros. Há acórdãos que proíbem a locação via Airbnb e outros que a permitem.

O principal argumento das decisões contrárias ao Airbnb é que esse tipo de locação teria caráter de hospedagem/hotelaria, o que descaracterizaria a finalidade exclusivamente residencial dos imóveis.

Já as decisões favoráveis ao Airbnb defendem que se trata de locação por temporada, autorizada pelo artigo 48 da Lei do Inquilinato, que não estabelece prazo mínimo, apenas máximo.

É importante mencionar que uma parte desses julgados entende que a vedação à locação via Airbnb restringe o direito de propriedade e modifica a destinação do edifício ou da unidade imobiliária, o que exige alteração da respectiva convenção condominial por aprovação unânime (artigo 1351 do Código Civil). Na prática, isso significa que essa deliberação jamais seria aprovada, pois dificilmente existiria a imprescindível unanimidade.

Outra parte desses julgados tem uma posição diferente: sustenta que essa vedação poderia ser prevista na convenção do condomínio, mediante aprovação de dois terços dos condôminos (artigo 1351 do Código Civil). Nesse caso, seria uma medida que poderia ser implementada, apesar da dificuldade prática de se reunir a quantidade suficiente de condôminos para tanto.

Essa relevante controvérsia chegou à 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) por meio do recurso especial nº 1.819.075, originário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Em julgamento iniciado em 10 de outubro de 2019 e interrompido pelo pedido de vista do Ministro Raul Araújo, o relator, Ministro Luis Felipe Salomão, votou (corretamente) pela permissão da locação via Airbnb.

Argumentou, em suma, que não há que se falar em uso comercial dos imóveis locados via Airbnb, pois a locação por temporada é autorizada pela Lei do Inquilinato e a exploração econômica do próprio imóvel consiste no exercício regular do direito constitucional de propriedade.

Ponderou, ainda, que a novidade não é a locação por temporada, mas sim a sua potencialização via plataformas digitais, inseridas na chamada economia de compartilhamento.

Não há como prever qual será o desfecho desse julgamento, pois é o primeiro caso sobre o tema no STJ. O que se espera, porém, é que prevaleça o entendimento do relator, que se coaduna com a melhor interpretação do Código Civil e da Lei do Inquilinato, bem assim com a atual realidade do mercado de locação por temporada.

Em outras palavras, que esse unicórnio não tenha seu chifre serrado por uma decisão retrógrada, que o transformaria em um singelo pangaré sem grande valia – oxalá continue desfilando Brasil afora, movimentando a economia e servindo como ferramenta útil e eficaz aos proprietários que desejam locar seus imóveis.

Antonio Moacir Furlan Filho é advogado na área de contencioso cível e arbitragem do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados. Pós-graduado em direito societário pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e em direito processual civil pela PUC-SP, graduado em direito pela PUC-SP.

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