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Fabricio Pereira da Silva
Este ensaio avalia o ambiente político latino-americano e o que esperar das ciências sociais críticas nesse cenário. O texto é o quarto de uma série sobre o primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência – e é parte de uma parceria entre o ‘Nexo’ e a Associação Brasileira de Ciência Política
2019 reforçou o esgotamento do ciclo “progressista”, que hegemonizou a América Latina de meados dos anos 2000 a meados da década seguinte. O ciclo se encerrou em meio a diversas expressões de desconexão entre a institucionalidade controlada por aquelas forças políticas e os setores populares em constante mudança que elas esperavam representar. Nesse processo, também ficaram evidentes os limites dos projetos transformadores, que em dado momento demonstraram que não conseguiriam avançar para além do “neoextrativismo”, que vem reprimarizando as economias da região, e das políticas sociais que só poderiam reduzir a pobreza e a desigualdade de suas sociedades até certo limite.
Esse esgotamento se traduziu na derrota dos dois projetos que demonstravam maior capacidade de construção de hegemonia. As derrotas da FA (Frente Ampla), no Uruguai, e do MAS (Movimento ao Socialismo), na Bolívia, confirmaram, de modos distintos, o avanço do híbrido de neoconservadorismo e neoliberalismo (ambos essencialmente autoritários) que constitui o ciclo regional emergente.
A FA foi derrotada por pouco, numa eleição centrada no tema da segurança, e num contexto de normalidade democrática. Já o caso boliviano é mais complexo.
O MAS insistiu no binômio Evo Morales/Álvaro García Linera, mesmo após a derrota no plebiscito que havia negado a possibilidade de reeleição. Com isso, perdeu boa parte de sua legitimidade e apoio, e estava aberta a possibilidade de deriva autoritária naquele país, particularmente a partir das dúvidas de fraude lançadas sobre o processo eleitoral. O desdobramento da crise foi ainda pior. Os ataques aos movimentos sociais e aos representantes do MAS, o perfil autoritário e racista da direita (que hegemoniza amplamente a oposição) e o chamado dos militares à renúncia de Morales permitem caracterizar o processo como um golpe militar. Adicionalmente, há fundadas dúvidas sobre seus desdobramentos, que podem derivar em fechamento do regime e em violentas disputas.
Outro elemento nessa virada é a crise sem fim da Venezuela, em processo de deriva autoritária desde 2015, quando o chavismo se viu em posição minoritária e optou por resistir no poder. Chegou-se a um ponto de empate catastrófico, cuja resolução dificilmente será pacífica.
Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.