Debate
Compartilhe
Temas
Marjorie Corrêa Marona
Este ensaio avalia o papel do STF em 2019. O texto é o oitavo e último de uma série sobre o primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência – e é parte de uma parceria entre o ‘Nexo’ e a Associação Brasileira de Ciência Política
O Supremo Tribunal Federal iniciou o ano de 2019 com o desafio, nada simplório, de evitar que sua independência fosse questionada/atacada diante de um quadro de recessão democrática que ajudou a construir, atuando ao sabor da conjuntura política nos anos anteriores. Em um vídeo amplamente veiculado a uma semana do segundo turno das eleições de 2018, o então deputado federal Eduardo Bolsonaro, o 01, antecipava as tensões que se estabeleceriam entre o STF e o Planalto ao declarar que “se quiser fechar o STF (…) você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.
Com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, os tradicionais interlocutores, integrantes das elites políticas que vinham organizando a disputa eleitoral até então, perderam capacidade resolutiva. Eleito por um partido que conquistou 10% das cadeiras na Câmara, Bolsonaro ignorou a solução que vinha sendo adotada desde a redemocratização por presidentes minoritários para aprovar sua agenda de políticas e governar o país: a formação de coalizões multipartidárias majoritárias — expressa na fórmula do “presidencialismo de coalizão”. Organizou, alternativamente, uma coalizão social heterogênea e fluida, sem base partidária, ancorada na ascensão de evangélicos, militares, grupos ligados ao agronegócio e pró-armamento, que não tem sido capaz de garantir o mínimo de previsibilidade associado ao modelo anterior. Na prática, o que se viu foi o avanço de um quadro de unilateralismo presidencial, para dizer o mínimo.
Grosso modo, o unilateralismo presidencial seria a tentativa de governar com o chefe do Executivo controlando e moldando a agenda do Legislativo de forma a “atropelar o Congresso”, se isolando nas formulações das políticas públicas e alterando estruturas estatais unilateralmente. Para isso, no Brasil, os presidentes contam principalmente com os decretos — regulamentar, para determinar a forma de implementação da lei, e administrativo, para modificar a estrutura do Executivo. Neste cenário, em que se estressam as relações entre o Executivo e o Legislativo, o Supremo Tribunal Federal vem sendo mobilizado na contenção dos arroubos individuais/autoritários do presidente, como de se esperar em situações de normalidade institucional.
A literatura aponta justamente para o fato de que a debilidade constitucional da posição presidencial — quando a Constituição é ambígua em relação aos poderes que de fato o presidente detém — é propulsora da atuação moderadora das Cortes Constitucionais. Não há falta de previsão do papel do Executivo no Brasil, contudo. A Constituição de 1988 é bastante clara em relação à competência do Executivo e às prerrogativas do presidente da República. Mesmo assim, findo o primeiro ano do governo Bolsonaro, havia no STF quase 70 ações questionando iniciativas do Planalto, dentre medidas provisórias, decretos e portarias. Além disso, pelo menos duas dezenas de outras ações que, embora não tenham relação com medidas oficiais, se vinculam à agenda do governo eleito.
O Supremo se manifestou em não mais do que quatro delas até o momento. O plenário restringiu a extinção de conselhos, manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai (Fundação Nacional do Índio), e suspendeu o fim do DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres), dentre outras iniciativas individuais. Em junho de 2019, o STF impôs a primeira derrota ao governo ao decidir que o presidente não pode, por meio de decreto, extinguir conselhos que tenham sido criados por lei, sinalizando alguma resistência à estratégia de Bolsonaro de governar a despeito do Legislativo. No mesmo sentido, em agosto, o Supremo voltou a evitar manobra do governo que pretendia, por meio da reedição de trecho de medida provisória rejeitadas pelo Congresso no mesmo ano, transferir a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura.
Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.