O presidente da República, Jair Bolsonaro, já falou algumas vezes como as Terras Indígenas, Quilombolas e as Unidades de Conservação brasileiras atrapalham o desenvolvimento do país. Neste domingo (5), Dia da Amazônia, vale resgatar esta fala do presidente, pois este é um tipo de informação que 80% dos brasileiros levarão às urnas em 2022, conforme acaba de comprovar pesquisa encomendada pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade) e realizada pelo PoderData.
Este também é um momento de união de esforços para mostrar a força do povo brasileiro. Aproveitamos, por exemplo, para dizer que a luta antirracista também será levada às urnas, como tem ficado cada vez mais evidente nos protestos Fora Bolsonaro com maciça presença do movimento negro – como será no próximo dia 7 de setembro.
Vale explicar à população brasileira que existe vida negra na Amazônia, e que a visibilidade deste povo também se faz necessária. Dados do Censo, por exemplo, dão conta que somente no Pará quase 75% da população é formada por pessoas pretas ou pardas. Tudo isso começou também no período da escravidão. Segundo o livro “O negro no Pará sob o regime da escravidão”, “a região amazônica recebeu 50 mil escravos no período entre 1755 e 1820, com o funcionamento da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão”.
Não se trata de uma comparação entre este ou aquele povo, pois essa divisão sempre é feita por aqueles que nos querem mal. Bolsonaro, por exemplo, sempre “brincou” com questões caras a boa parte da população, como o racismo trazido em muitas de suas falas e que impacta mais de 56% da população brasileira, considerada negra.
O ponto aqui é que para um estrato dessa população, que vive na Amazônia, suas falas podem chocar duplamente. Não se trata apenas do povo da floresta, mas também das grandes cidades, nas periferias, em zonas rurais e no interior dos nove estados que fazem parte da chamada Amazônia Legal. Assim como em outras regiões do país, na Amazônia a vulnerabilidade socioeconômica e ambiental também impacta a população negra.
Muitas dessas pessoas são de famílias quilombolas – algumas que ainda vivem em quilombos em regiões de floresta -, mas principalmente fruto da diáspora africana que trouxe negros e negras para diversas regiões do Brasil, inclusive ao interior da Amazônia, local onde ainda acontecem ameaças e invasões, provocadas principalmente pelo avanço do agronegócio, entre outros desafios para comunidades afro-amazônicas.
Assim como os povos indígenas, o povo quilombola também é de luta e resistência – em algumas situações há soma de esforços com os povos originários – principalmente pelo resgate e preservação da memória de seus ancestrais e luta pelas suas terras. Essas populações vivem em situação de ameaça cotidiana a seus territórios. Neste momento, por exemplo, uma importante iniciativa entre os movimentos negro e indígena tem contribuído para que jovens indígenas e quilombolas consigam acessar a universidade.
Para um estrato da população negra que vive na Amazônia e é impactada pela vulnerabilidade socioeconômica e ambiental, as falas do presidente podem chocar duplamente
Outra luta dos povos quilombolas também se dá pelo reconhecimento e demarcação de suas terras. Como disse o próprio presidente, durante evento em março de 2020, seu governo não demarcaria nenhuma terra quilombola, apesar de ser um direito garantido pela Constituição Federal de 1988.
Hoje são mais de 3.000 comunidades quilombolas no Brasil, com dados da Fundação Palmares. Destas, pouco mais de 300 foram regularizadas pelo Incra. Na Amazônia, segundo a Fundação Palmares, hoje são mais de 300 comunidades quilombolas, mas apenas 40 são regularizadas. Em dois anos de governo, o Incra titulou parcialmente duas comunidades quilombolas, segundo matéria da Folha de S.Paulo. De acordo com o jornal, são quase 2.000 processos em trâmite no órgão federal.
Mas também tem a população negra da Amazônia urbana, vinda de outras regiões do Brasil e que encontrou ali o sustento para suas famílias, bem como aqueles que ali nasceram. Mas também os brasileiros e brasileiras negros de outras regiões que também se preocupam com a preservação e conservação do bioma.
A pesquisa do iCS também trouxe recortes raciais. Aproximadamente 50% das pessoas ouvidas pela pesquisa são pretas e pardas, ou seja, aproximadamente, 1.200 pessoas. Destas, 44% das pessoas pardas e 48% das pessoas pretas avaliam o trabalho do presidente na proteção da Amazônia como ruim ou péssimo. E ampla maioria, 81% e 79%, respectivamente, acham muito importante a proteção do bioma. Para este grupo, 58% e 61% dos respondentes, respectivamente, teriam mais chance de votar em um candidato ou candidata com plano específico para proteger a Amazônia.
Assim como falamos que enquanto houver racismo, não haverá democracia, não existe justiça climática, sem justiça racial, como disse David Lammy, deputado do Partido Trabalhista britânico e representante parlamentar de Tottenham, no norte de Londres, em artigo na revista Time. Diversos países e povos cresceram e lucraram explorando terras e recursos de outros países e escravizando populações, como aqui no Brasil.
A única coisa que negros quilombolas querem é poder estar em seus territórios, em paz, ser uma população que tem sua existência reconhecida. Apenas viver.
Douglas Belchior é historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos.
Denildo Rodrigues de Moraes é gestor ambiental, ativista social e coordenador executivo da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
Kátia Penha é do Quilombo Divino Espírito Santo (São Mateus/ES), coordenadora nacional da CONAQ e estudante de educação do campo na UNB (Universidade de Brasília).
Mariana Belmont é jornalista, articuladora da Nuestra América Verde, compõe o Instituto de Referência Negra Peregum e é militante da Uneafro Brasil.