A Câmara dos Deputados aprovou, em março, o projeto de lei que estabelece mudanças para o Novo Ensino Médio. O PL 5.230/23, que ainda segue para o Senado, insere a disciplina de língua espanhola como optativa para os estudantes do ensino médio.
O texto inicial, sugerido pelo Ministério da Educação, previa a inclusão obrigatória do idioma. A sugestão vinha alinhada à política do governo, de reaproximação do Brasil dos países do Mercosul, mas ela não foi apreciada pela Câmara.
Também alinhado a essa política, o atual edital do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) para o ensino médio 2026-2029, lançado em abril, pede para analisar obras de língua espanhola, mesmo o estudo dessa língua seguindo como optativo para as escolas brasileiras.
Essa aparente dissonância nos faz lembrar que a discussão sobre o estudo de línguas estrangeiras no Brasil remonta de décadas, mas sempre com idas e vindas. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), de 1996, determinou que o currículo do ensino médio incluísse como obrigatório apenas o estudo de língua inglesa. Outras línguas estrangeiras poderiam ser ofertadas em caráter optativo, com preferência para a língua espanhola.
Já em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que tornava obrigatório o ensino de Língua Espanhola para o ensino médio. A lei previa a implantação gradativa da nova disciplina em até cinco anos, com algumas distinções entre os sistemas público e privado.
No entanto, o processo de implantação da lei mostrou-se difícil de se cumprir. Muitas entidades educacionais não conseguiram aderir à prática do ensino do idioma espanhol no prazo proposto. Um dos problemas enfrentados foi a falta de professores.
A oferta de docentes na área nunca foi suficiente para abarcar a totalidade de escolas de ensino médio, evidenciando o problema histórico do ensino de idiomas no país.
Movimentação, que vem se intensificando ao longo dos anos, reflete a percepção de muitos educadores e especialistas sobre a importância do espanhol no contexto educacional brasileiro
Em 2017, retirou-se a obrigatoriedade com a reforma da LDB proposta pelo Novo Ensino Médio, tornando a disciplina novamente opcional. Com isso, a implementação do espanhol no ensino foi deixada a cargo das secretarias estaduais de educação, que deveriam verificar sua aplicabilidade.
O movimento Fica Espanhol surgiu como resposta à retirada da obrigatoriedade da disciplina. A mobilização teve início no Rio Grande do Sul, onde foi aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 270/2018) para implementar o ensino da língua como obrigatório no estado. A partir daí, o movimento foi se espalhando pelo país e projetos de lei para a reinclusão do idioma como obrigatório passaram a ser debatidos em diversos estados, como Paraná, Roraima, Goiás, entre outros.
Essa movimentação, que vem se intensificando ao longo dos anos, reflete a percepção de muitos educadores e especialistas sobre a importância do espanhol no contexto educacional brasileiro. Por ser uma das línguas mais faladas no mundo, presente em diversos países, o domínio desse idioma não apenas amplia as oportunidades de comunicação e intercâmbio cultural, como também fortalece as relações comerciais e culturais do Brasil, especialmente como um país latino.
Atualmente, algumas redes estaduais, municipais e escolas privadas seguem resistindo e adotando a língua espanhola para o ensino médio ou para outros segmentos. Isso demonstra o reconhecimento da importância do idioma na formação dos estudantes e atesta o esforço dos profissionais da educação na preparação dos jovens para um mundo cada vez mais integrado.
Além disso, o número de estudantes que optam pelo espanhol no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) se mantém o mesmo desde a flexibilização federal do ensino do idioma: entre a língua inglesa e a espanhola, 60% dos estudantes escolhem o idioma latino para realização da prova de língua estrangeira.
Vislumbramos, assim, o anseio de muitos profissionais e estudantes por fortalecer o ensino e o aprendizado do espanhol no país. Com base nisso, apontamos alguns caminhos que podem ser traçados para facilitar esse fortalecimento nas escolas brasileiras:
- Aproveitar a proximidade das línguas. No contexto do ensino de língua estrangeira, a proximidade do português com o espanhol ajuda a motivar os alunos para o aprendizado do idioma. Essa proximidade permite um acesso facilitado a textos mais complexos do cotidiano hispanofalante e pode ser vista como oportunidade para incentivo do real aprendizado do idioma.
- Incentivar a formação de professores qualificados com abertura de cursos de licenciatura em universidades públicas. A criação dos 100 novos institutos federais proposta pelo governo pode ser vista como uma oportunidade de implementação da abertura de cursos de licenciatura de espanhol.
- Investimento em recursos didáticos e tecnológicos adequados. O fortalecimento de programas como o PNLD e outras iniciativas de aquisição de materiais didáticos como política pública são imprescindíveis.
Estamos em 2024 e ter a população brasileira bilíngue em português-espanhol parece um sonho distante. No entanto, medidas relativamente simples podem alicerçar esse sonho. E, com certeza, a obrigatoriedade do ensino do idioma é a primeira delas. Fica Espanhol!
Carolina Evangelista é bacharel e licenciada em letras e mestre em ciências da informação, com especialização em Arquitetura da Informação para Educação pela USP (Universidade de São Paulo). É Coordenadora de Conteúdos na FTD Educação, empresa de soluções educacionais.