Os países que se destacam nas avaliações internacionais de aprendizagem têm algo em comum: destinam grandes esforços para terem professores bem-formados, motivados e com boas condições de trabalho em todas as escolas. No Brasil, salvo exceções de algumas redes de ensino, ainda estamos, infelizmente, distantes desse cenário.
Nesse sentido, é alarmante que o total de professores temporários tenha superado o número de concursados nas redes estaduais, como mostra um recente estudo divulgado pelo Todos Pela Educação. Os docentes temporários, em geral, são selecionados por processos seletivos mais frágeis, recebem salários inferiores, enfrentam condições de trabalhos mais desafiadoras e têm regimes de contratação mais precários — o que gera insegurança para esses profissionais e alta rotatividade nas escolas, dificultando a criação de vínculos com os estudantes.
Instrumento é importante para garantir que as redes de ensino consigam compor o seu quadro completo de docentes. No entanto, deveria ser uma exceção, a ser utilizada com cautela e em casos específicos
Além disso, a contratação temporária vem ganhando um caráter cada vez mais permanente, na medida em que mais de 40% destes profissionais nas redes estaduais são docentes há mais de 11 anos. Portanto, apostar nesse modelo como estratégia principal de contratação nos afasta dos esforços de profissionalização e valorização docente.
Diversos fatores ajudam a explicar esse fenômeno, tais como os desafios fiscais dos estados; o fato de professores temporários receberem suas aposentadorias por meio do Regime Geral de Previdência Social do Governo Federal, reduzindo as contas do tesouro estadual; a proibição de realização de concursos públicos (Lei Complementar nº 173/2020); e o elevado número de professores que se aposentaram durante a pandemia. Por fim, o aumento da demanda em razão da ampliação do ensino em tempo integral e da implementação do novo ensino médio também foram importantes elementos.
Não se trata de dar um caráter totalmente negativo à contratação de professores temporários. Este instrumento é importante para garantir que as redes de ensino consigam compor o seu quadro completo de docentes. No entanto, deveria ser uma exceção, a ser utilizada com cautela e em casos específicos previstos na legislação. O que vemos, porém, é que ela tem se tornado a regra em muitas redes estaduais, o que pode trazer impactos negativos para a aprendizagem dos estudantes.
E o que fazer, então, diante desse cenário? Para reduzir o número de temporários, a solução é aumentar a quantidade de efetivos, realizando mais concursos públicos. Todavia, esse processo deve ser conduzido de forma cuidadosa. Movimentos drásticos, como a realização de grandes certames sem planejamento adequado, não são o melhor caminho. Antes de implementar qualquer mudança, é preciso que cada rede realize um diagnóstico para entender se a questão do aumento da contratação de temporários é presente no seu contexto e quais as razões desse fenômeno — que podem estar relacionadas a questões fiscais, políticas, dificuldades técnicas para realização de concursos, alto número de profissionais afastados, carreiras mal desenhadas e com alto custo, que inviabilizam o aumento do número de efetivos, entre outros fatores.
Com os desafios mapeados, chega a hora de partir para as ações. O primeiro passo é investir em um planejamento robusto sobre a força de trabalho futura. As redes devem ser capazes de prever quantos professores serão necessários a curto, médio e longo prazo, para então conseguir dimensionar o tamanho dos concursos que irão realizar.
É importante pensar na frequência de realização dos certames, que hoje é muito baixa — em média a cada cinco anos nas redes estaduais e 7,5 anos nas redes municipais, de acordo com o recente estudo divulgado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em parceria com o Movimento Profissão Docente. Essa baixa frequência é um fator que reduz a atratividade da carreira, já que um professor recém-formado, em geral, precisa esperar muitos anos para ser incorporado de forma efetiva em uma rede de ensino e, nesse intervalo, muitos acabam desistindo da docência.
Além disso, é fundamental discutir melhorias na qualidade do processo de seleção de professores, garantindo que as provas teóricas sejam capazes de avaliar o conhecimento pedagógico do conteúdo e incluindo uma etapa que possa mensurar as competências docentes dos profissionais, como provas práticas. Se esse processo for bem feito, as redes conseguirão aumentar a quantidade de professores concursados sem deixar de lado a qualidade dos profissionais que estão ingressando nas salas de aula.
É fato que essa não é uma tarefa fácil para estados e municípios. E, por isso, o apoio do governo federal pode ser fundamental. A própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), no artigo 67, prevê que a União deve prestar assistência técnica aos entes subnacionais na elaboração de concursos públicos, o que ainda não é feito.
Para mudar de verdade a educação brasileira, os professores precisam de valorização e profissionalização. A crescente participação de docentes temporários na educação brasileira é uma realidade que precisa ser ajustada. Chegou o momento de corrigir a rota.
Ivan Gontijo é gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação
Natália Fregonesi é coordenadora de políticas educacionais do Todos Pela Educação