Mitos e verdades sobre o orçamento do governo federal

Debate

Mitos e verdades sobre o orçamento do governo federal
Foto: Adriano Machado/Reuters - 17.JUN.2020

Alex Wilhans Antonio Palludeto e Simone Deos


19 de junho de 2020

Não há razões econômicas que impliquem que o gasto público, hoje indispensável para mitigar o cenário catastrófico da pandemia do novo coronavírus, deva ser compensado, no futuro, por medidas de austeridade

Paul Samuelson, um dos mais renomados economistas do século 20, sugeriu, em entrevista concedida a Mark Blaug em 1995 , que a necessidade de atingir o equilíbrio das contas públicas de maneira permanente, ou mesmo durante um determinado número arbitrário de anos, é apenas uma superstição, uma narrativa, que teve como função histórica disciplinar o papel do Estado na economia, reduzindo a ineficiência que supostamente emanaria de suas ações.

Contemporaneamente, essa crença assumiu uma forma nova e aparentemente mais sofisticada, qual seja, a de que é indispensável estabilizar a relação dívida pública/PIB em algum patamar arbitrariamente definido para um certo período. Além disso, esse patamar seria diferente para economia dos países centrais e dos periféricos — também chamados de “em desenvolvimento”. Para estes, repetem os crentes, a razão dívida pública/PIB que os Estados poderiam suportar seria certamente inferior à das economias mais avançadas.

De acordo com os adeptos dessa crença, mesmo em situações dramáticas como a que vivemos , as medidas a serem adotadas pelo Estado devem sempre considerar o impacto que irão provocar nas contas públicas a longo prazo. Por isso devem ser limitadas, de modo a resultarem na menor elevação possível da dívida pública — ainda que ao custo de redução da renda agregada e de elevação na desigualdade —, dado que tal aumento poderia, supostamente, prejudicar a retomada da economia. Muitas vezes, esse argumento se combina a um outro, também bastante usual, de que prevalece em torno da gestão pública o oportunismo e a má-fé , mesmo num momento em que os servidores públicos — notadamente aqueles vinculados ao SUS (Sistema Único de Saúde), ainda que não só — são os que estão na linha de frente do combate à pandemia, bem como os que estão desenvolvendo as pesquisas que nos levarão a melhores tratamentos e à tão almejada vacina.

Diante da iminência de uma redução dramática da renda provocada pela pandemia da covid-19 e da necessária manutenção das medidas de distanciamento social para evitar seu maior espraiamento, as propostas atualmente encaminhadas pelo governo se mostram inadequadas. Seja quando se considera o volume de recursos envolvidos, seja quando se toma a forma como deverão ser utilizados, o conjunto de medidas adotadas até aqui pelo governo, entre as quais o auxílio emergencial de R$ 600, está aquém do que seria necessário para assegurar a saúde e a renda da população brasileira.

Nesse cenário, é preciso levar em conta as estimativas do PIB recentemente publicadas pelo FMI : o PIB mundial de 2020 deverá cair em 3%, e o PIB do Brasil deverá ser 5,3% menor do que o de 2019. No caso brasileiro, convém observar que se trata de uma previsão alarmante considerando a estagnação que a economia apresenta desde 2014, pelo menos.

Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.