As certezas e dúvidas que cercam a ideia do passaporte vacinal
João Paulo Charleaux
19 de março de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h01)Luiz Gustavo Góes, especialista em vírus respiratórios, fala ao ‘Nexo’ sobre a tentativa de criar atestados internacionais para controlar a circulação durante a pandemia
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Mapa da Europa com frascos de doses de vacinas contra a covid-19, representando a exigência de cobertura vacinal para circular no Espaço Schengen
Os 31 países-membros do Espaço Schengen estudam adotar até o início do verão no hemisfério Norte, no fim de junho, um atestado de imunidade contra a covid-19.
O documento, em versões física e virtual, serviria como um passaporte apresentado em deslocamentos internacionais. Pessoas imunizadas seriam autorizadas a circular. Pessoas não imunizadas, não.
O Espaço Schengen é o nome do conjunto de 31 países – os 27 membros da União Europeia mais Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia – dentro do qual cidadãos desses países podem circular livremente. Para entrar em vigor, a medida precisa ainda de aprovação do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, instância onde estão representados os Executivos dos países-membros.
A adoção desse tipo de documento – apelidado informalmente de passaporte vacinal – não é uma novidade completa. Brasileiros, por exemplo, já conhecem a exigência de mostrar o Certificado Internacional de Vacina para viajar para outros países da América do Sul, atestando, por exemplo, a imunização contra a febre amarela.
O Nexo fez três perguntas a respeito desse tipo de documentação a Luiz Gustavo Betim Góes , da Plataforma Científica Pasteur/USP , que vive em Berlim, onde realiza estágio de pós-doutoramento no Instituto de Virologia da Charité. Góes é especialista em métodos moleculares de detecção viral, vírus respiratórios humanos e epidemiologia de vírus emergentes de morcegos.
Luiz Gustavo Góes A vantagem é que países nos quais a vacinação é mandatória podem criar, com isso, barreiras adicionais para impedir que pessoas não imunizadas circulem. A questão é que nós não sabemos ainda se os indivíduos vacinados não se infectam ou têm a capacidade menor de transmissão, ou pelo menos se o período de transmissão é mais curto.
Outra questão ainda a ser respondida é se as infecções anteriores serviriam para passaporte, pois a imunidade adquirida naturalmente seria, teoricamente, a mesma [da proporcionada pelas vacinas] . Além de tudo isso, outro fator que traz mais confusão ao debate é a presença das variantes e as dúvidas sobre o efeito de cada vacina sobre cada um dos variantes, ou mesmo do efeito imunológico de infecções com a linhagem selvagem.
É preciso saber também o que aconteceria com indivíduos que não podem ser vacinados por questões de saúde. Estas pessoas teoricamente também teriam vetado o direito de viajar? Como normalizar este tipo de situação? Isso é algo que deve vir a ser solucionado pelas autoridades sanitárias.
Por fim, é preciso atentar para o fato de que esse tipo de controle também traria um viés de idade dos viajantes – os jovens têm menos acesso a vacinas já que idosos estão sendo priorizados, dado o risco de morte após infecções pelo SARS-CoV-2. Neste caso demoraria mais para que os jovens tivessem a liberdade de realizar as viagens internacionais.
Diferenças entre cidadãos de um país específico também podem atrapalhar a implementação do controle das vacinas. Por exemplo, viajantes do Brasil teriam uma dificuldade maior do que viajantes provindos de Israel, única e exclusivamente devido ao fato de que a cobertura vacinal em Israel é maior do que no Brasil.
Apesar de tudo, eu acredito que seja um controle importante. É algo que pode desestimular movimentos antivacinais.
Luiz Gustavo Góes Eu acredito que o passaporte vacinal de covid-19 seja algo mais fácil de ser visualizado, por meio de uma análise mais criteriosa e padronizada do que o sistema de controle vigente para outros agentes virais.
Nunca me pediram comprovante de vacinação de febre amarela, por exemplo, em minhas viagens internacionais. Em uma pandemia como a que estamos vivendo, o alvo do controle seria muito mais rigoroso
Luiz Gustavo Góes A consequência mais imediata será a impossibilidade, para os brasileiros, de realizar viagens internacionais. Porém, digo novamente que, para afirmar com certeza, é preciso saber se as infecções comprovadas teriam o mesmo fator de importância do ponto de vista imunológico [na comparação com a imunização por vacina].
Então, um atestado de que você já foi infectado poderia ser suficiente? Eu creio que esse tipo de controle aumenta a cobertura vacinal, mas ainda existem questões científicas e sociais importantes a serem devidamente debatidas, pois iniquidades vão existir entre níveis sociais ou mesmo entre estados de uma mesma federação.
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