Favoritos

Kátia Brasil


05 de outubro de 2019
Foto: César Nogueira/Amazônia Real

A convidada da seção 'Favoritos' desta semana é a jornalista Kátia Brasil. Ela é cofundadora da agência de jornalismo independente Amazônia Real e indica cinco obras para conhecer melhor a floresta, seus habitantes tradicionais e suas lutas

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A Amazônia tem um tempo dela e, para entendê-la, primeiro precisamos conhecer quem são seus habitantes ancestrais, o histórico de suas lutas e sobrevivência. Quando eu escutei os indígenas dizendo que o Brasil e a Amazônia não foram descobertos pelos colonizadores em 1500 e sim invadidos e expropriados, entendi como foi e continua sendo o genocídio das populações. Recomendo a leitura de cinco livros que podem ajudar na compreensão da Amazônia e do Brasil.      

A queda do céu: palavras de um xamã yanomami 

Davi Kopenawa e Bruce Albert, Companhia das Letras, 2015

Começo minhas dicas com o livro “A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami”, escrito pelo xamã e líder indígena Davi Kopenawa, do povo Yanomami, e pelo antropólogo francês Bruce Albert. O livro traz um pequeno texto de Claude Lévi-Strauss (autor de “Tristes Trópicos”, entre outros). Davi e Bruce se conheceram na década de 1970 e lutaram juntos pela demarcação da Terra Indígena Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas, que foi homologada em 1992. Dois anos antes, em 1990, eu tinha mudado para a Amazônia. Era recém-formada em jornalismo e vim do Rio de Janeiro para trabalhar na capital Boa Vista. Presenciei a luta do Davi pela demarcação de terra e tive a oportunidade de entrevistá-lo em um momento em que a imprensa local, por preconceito, não dava o destaque ao líder Yanomami. Inclusive, participei, em 1993, da cobertura do massacre de indígenas da aldeia Haximu por garimpeiros, como correspondente do jornal O Globo. Então, ler esse livro — que tem muitas fotografias, ilustrações, mapas e histórias, a que nenhum jornalista teve acesso nas coberturas — foi mergulhar num mundo que eu desconhecia do Davi. Ele fala dos ancestrais Yanomami, da criação do mundo, dos seres espirituais, de sua iniciação, ainda na infância, como xamã, as relações com os “brancos”, dentre eles os garimpeiros invasores, a quem ele chama de “comedores de terra”, porque destroem a floresta, levando doenças e morte aos indígenas, o que ocorre até os dias atuais. 

Amazônia de Euclides: a viagem de volta a um paraíso perdido

Daniel Piza e Tiago Queiroz, LeYa, 2010

Este livro foi escrito pelos jornalistas Daniel Piza (1970-2011) e Tiago Queiroz, também fotógrafo — ambos do jornal O Estado de S. Paulo —, veículo para o qual trabalhei como correspondente em Manaus. Os autores percorreram, em 2009, o mesmo caminho das estradas de rios das cabeceiras do Alto Purus, entre os estados do Acre e do Amazonas, feito pelo escritor Euclides da Cunha (1866-1909), em 1905. Autor do livro “À margem da história” e “Um paraíso perdido” (ensaios e estudos), Euclides trabalhou na demarcação hidrográfica dessa parte da região Amazônica, mas não ficou omisso diante da exuberância da floresta e do abandono dos indígenas, dos seringueiros, dos ribeirinhos que ele encontrou pela viagem. A visão que Euclides tinha sobre a Amazônia era estereotipada; por isso, ele derrubou e criou mitos. Também denunciou a escravidão nos seringais do Purus. Já Daniel e Tiago, que realizaram uma reportagem multimídia 104 anos depois da viagem de Euclides, relatam no livro uma Amazônia ainda mais realista, mas extremamente abandonada pelo poder público. Da leitura desses autores foi que me inspirei para criar o nome da agência Amazônia Real, que também teve influência das fotografias de Pedro Martinelli.      

A invenção da Amazônia

Neide Gondim, Marco Zero, 1994

O livro de Neide Gondim é aquela obra que nos apresenta a importância das grandes expedições na Amazônia e, ao mesmo tempo, questiona os estereótipos e a visão colonialista e etnocêntrica dos grandes viajantes europeus, como o português Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) e o britânico Alfred Russel Wallace (1848-1859), entre outros. Neide Gondim, que faleceu em 2018, foi professora da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e intelectual reconhecida nos estudos sobre a Amazônia. Como mulher, foi protagonista no estudo de como esses estrangeiros deixaram uma imagem de preconceito acerca dos povos indígenas e da floresta. Eles “venderam” ao mundo a imagem da região como um paraíso pedido, para motivar a exploração das riquezas naturais, sem uma mínima preocupação com a biodiversidade e com as populações já existentes antes da “descoberta” dos portugueses. Até os dias atuais, a Amazônia continua sendo explorada de forma vil e muitas pessoas buscam a região para o enriquecimento a qualquer custo. Então, com literatura e ciência, Neide Gondim faz a análise desses viajantes e derruba os preconceitos sobre a Amazônia, promovendo ao leitor uma visão mais realista dos fatos.  

Amazônia – O anteato da destruição

Lúcio Flávio Pinto, Grafisa, 1977

A primeira vez em que eu vi o jornalista Lúcio Flávio Pinto foi em um vídeo em que ele aparece relatando a destruição da floresta amazônica na abertura da BR Transamazônica, no Pará, nos anos 1970. Aquela imagem me impacta até hoje, pois ele continua escrevendo sobre a ocupação da região, a exploração econômica da região, os impactos socioambientais e as políticas desenvolvimentistas desde 1966, quando iniciou na profissão de jornalista. Então, ele é uma testemunha das transformações na região. No livro “Amazônia – O anteato da destruição”, Lúcio — que no mês de setembro completou 70 anos — revela os problemas da floresta amazônica em plena ditadura militar (1964-1985). Ele mesmo diz que a melhor coisa que o jornalista deve fazer é depor sobre o seu tempo. Naquela época ele disse que estava “registrando acontecimentos do maior, mais intenso e mais violento processo de ocupação que a região já sofreu em toda a sua história”. Essas histórias estão muito atuais e servem de reflexões para entender o contexto do passado, do presente e do futuro da Amazônia. 

Ideias para adiar o fim do mundo

Ailton Krenak, Companhia das letras, 2019 

É um livro para pensar o Brasil, a partir do olhar de um indígena, que passou a ser reconhecido após seu pronunciamento-protesto na Assembleia Constituinte, em 4 de setembro de 1987. Ao falar contra a política anti-indígena, Krenak pintou o rosto com tinta preta do jenipapo num ato contra a lei que não estava dando naquele momento o direito aos povos indígenas. O protesto deu certo. A Constituição, promulgada no ano seguinte, garantiu, no artigo 231, o reconhecimento da organização social dos indígenas, seus costumes, línguas, crenças, tradições e a demarcação dos territórios tradicionais, direitos que hoje não estão sendo respeitados pelo governo do presidente da República, Jair Bolsonaro. O livro traz as falas de Ailton Krenak em um ciclo de conferências de que ele participou em Portugal, terra em que o líder não queria pisar jamais pelo histórico da violência que foi a colonização europeia contra os povos indígenas. Em um trecho do livro, Krenak diz: “os indígenas não se veem separados da natureza, mas se sentem parte integrante dela. Por isso, as pedras, as montanhas, as árvores são tratadas como pessoas, como sendo seus pais, mães, filhos, parentes. Nessa troca de afeto com a natureza, eles recebem e dão presentes entre si”. Então, esse é um livro urgente para se compreender este ano de 2019.  

Kátia Brasilé jornalista, cofundadora e editora-executiva da agência de jornalismo independente Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). A agência é reconhecida internacionalmente como uma das 100 startups de notícias digitais da América Latina, segundo a SembraMedia (em 2016) e como o Meio de Comunicação de Maior Destaque da Ibero-América, pelo Prêmio Rei da Espanha (2019).

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