Richard Santos
A convite da seção ‘Favoritos’, o sociólogo Richard Santos indica 5 livros para conhecer o pensamento negro na atualidade
De um lado, o debate sobre o racismo e a luta antirracista crescem na sociedade brasileira. De outro, o alto índice de assassinato de pessoas negras pelas forças de segurança pública do Estado se mantém. Assim, penso ser importante desvelar o que produzem historicamente os intelectuais negros. Desde os tempos de arte e ativismo no movimento hip hop, grito que, antes de sermos mortos pelas armas de fogo ou alimentos ultraprocessados, somos apagados intelectualmente e inseridos socialmente em um não lugar. Relegados à condição de vidas descartáveis e corpos exploráveis, para lembrarmos o grande intelectual Frantz Fanon.
Por isso, decidi apresentar cinco livros que são uma breve e potente introdução ao pensamento negro contemporâneo. São obras que deixaram um legado incomensurável para compreendermos o Brasil e as Américas como um todo. Obras que revelam nossa potência como aquilo que chamo de “ Maioria Minorizada ”, apagada historicamente pela borracha indisfarçável da branquitude que se impõe com força e violência por estes trópicos, reprogramando imaginários e nos subalternizando.
Lélia González (Diáspora Africana, 2018)
Organizada pela União dos Coletivos Pan-Africanistas, esta obra é dedicada ao resgate do trabalho de uma grande pensadora negra brasileira. Um livro que traz todos os textos e entrevistas de Lélia González, disponibilizando ao público o conjunto de seu pensamento e produção. Gonzalez foi uma importante intelectual, ativista e feminista brasileira que desempenhou um papel fundamental na luta contra o racismo, o sexismo e outras formas de opressão. Cofundadora do Movimento Negro Unificado, ela é conhecida por suas contribuições na área da antropologia, política e educação, além de ter sido uma voz proeminente na defesa dos direitos das mulheres negras.
Como leitura complementar, recomendo o seminal artigo da Profa. Maria do Carmo Rebouças, que colabora especialmente para o acréscimo da potencialidade do termo “Amefricanidade”, cunhado por Lélia.
Sabrina Gledhill (Edufba, 2020)
A obra tem como protagonistas dois grandes intelectuais dos maiores países do Atlântico Negro, Estados Unidos e Brasil. Booker T. Washington e Manuel Raymundo Querino conseguiram prestígio, ultrapassaram as barragens de peneiramento (no dizer de Clóvis Moura) e nortearam a educação antirracista em seus países.
Ao analisar as trajetórias de Washington e Querino na virada do século 19 para o 20, Gledhill joga luz na obra de dois pensadores invisibilizados e nos informa que a mundialização cultural do mundo negro teve início muito antes da globalização econômica que vemos hoje. Para além das travessias nos tumbeiros que lotaram as terras americanas com mais de 4 milhões de corpos negros escravizados oriundos de África, a conexão entre esses dois educadores nos mostra relações e aproximações que talvez configurem aquilo que Paul Gylroy chama de “cultura negras viajantes”.
Clóvis Moura (Perspectiva, 2019)
A sociologia do negro brasileiro desenvolvida por Clóvis Moura é uma contribuição fundamental para a compreensão das complexas relações raciais e sociais no Brasil. Moura foi um intelectual, sociólogo, escritor e militante negro brasileiro conhecido por seu trabalho dedicado ao estudo do racismo, da história e da cultura afro-brasileira. Em sua obra, ele explorou temas como a formação social do Brasil, as contribuições culturais africanas, a luta dos negros por direitos e reconhecimento, bem como as interseções entre raça, classe e poder.
Publicado originalmente em 1988, este livro analisa a história da escravidão no Brasil e suas consequências duradouras, examina as estruturas sociais que perpetuam o racismo e destaca as contribuições culturais e intelectuais dos afrodescendentes. Moura argumenta que o racismo no Brasil é profundo e enraizado, influenciando todos os aspectos da vida social, política e econômica. Ele também destaca como a negação da influência afro-brasileira e a marginalização das comunidades negras resultaram em desigualdades estruturais persistentes. Além disso, discute o conceito de “democracia racial” e mostra como ele serve para mascarar as disparidades raciais reais existentes no Brasil.
Muniz Sodré (Vozes, 2015)
“Claros e escuros” é uma obra de grande relevância para a compreensão das complexidades culturais e raciais do Brasil e da diáspora africana. Através de uma análise crítica e profunda, Muniz Sodré desafia as narrativas dominantes, oferecendo insights valiosos sobre a formação da identidade brasileira, as influências culturais africanas e as interações entre comunicação, cultura e poder. A obra é uma investigação rigorosa das nossas nuances, levando em consideração os elementos culturais africanos e indígenas que contribuíram para a formação da nação.
Sodré argumenta que as influências africanas são muitas vezes subestimadas e sub-representadas. Ele explora a ideia de que a cultura afrobrasileira está presente de maneira transversal em diversas manifestações culturais, incluindo música, dança, religião e linguagem. Além disso, analisa a comunicação de massa e seu papel na formação da identidade nacional, explorando como esses meios moldam a percepção das pessoas sobre raça, cultura e identidade. Um dos pontos altos da obra é a maneira como Sodré explora a dicotomia entre o “claro” (branco) e o “escuro” (negro) como categorias não apenas raciais, mas também símbolos culturais e sociais que permeiam a sociedade brasileira, intrinsecamente ligadas à construção de hierarquias.
Neusa Santos Souza (Zahar, 2021)
“Tornar-se negro” é uma obra seminal da psicanalista, escritora e ativista brasileira Neusa Santos Souza, publicada originalmente em 1983. Neste livro, a autora aborda a formação da identidade negra no Brasil e explora as complexas interações entre raça, sociedade e cultura. Sua análise crítica e profunda oferece uma perspectiva única sobre a experiência do negro no contexto brasileiro, desde a escravidão e suas dinâmicas de poder até a adaptação cultural e as lutas pela igualdade.
Ao longo de “Tornar-se negro”, Souza desafia mitos de democracia racial, revela as complexidades da identidade afro-brasileira e promove a conscientização sobre as desigualdades raciais. Sua obra é uma contribuição valiosa para os estudos étnico-raciais e reforça a importância de reconhecer e valorizar a diversidade cultural do país. Uma leitura essencial para quem busca aprofundar seu entendimento sobre o racismo.
Richard Santos é escritor, pesquisador, docente e extensionista da Universidade Federal do Sul da Bahia. Está Pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB. Coordena o Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e o Programa de Extensão Jornada do Novembro Negro. Propôs e coordenou a criação do curso bacharelado em jornalismo da UFSB. Tem uma carreira pregressa como artista multimídia, conhecido como Big Richard. Tem pós-doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorado em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrado em comunicação pela Universidade Católica de Brasília. É autor dos livros ‘Maioria Minorizada – Um dispositivo analítico de racialidade’ (2020) e ‘Branquitude e televisão – A nova África (?) na TV pública’ (2021) e de ‘Mídia, colonialismo e imperialismo cultural’ (2023), todos publicados pela Editora Telha.
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