O que é excepcionalidade branca?
Não são os nacionalistas de direita e os racistas abertamente orgulhosos que carregam o senso de excepcionalidade branca. Eles costumam expôr suas verdadeiras crenças para todos. Eles são inequívocos sobre quem são, o que representam e a quem veem como ameaça. Na verdade, são os brancos progressistas que acreditam que suas ideologias os separam do racismo da extrema-direita. As pessoas com privilégio branco que acreditam não serem um impedimento ao antirracismo são aquelas que carregam a excepcionalidade branca como um distintivo de honra.
“Eles não podem se referir a mim. Eu votei no Obama. Eu tenho amigos negros. Eu já me relacionei com pessoas não brancas. Meus filhos brincam com crianças não brancas. Eu nem vejo cor! Quando falam sobre racismo e supremacia branca, devem estar falando sobre outros tipos de pessoas brancas. Eu não. Eu sou do time dos bonzinhos.”
Soa familiar? Nenhuma dessas coisas que você declarou com confiança como prova de que não é racista apaga a realidade. Você foi condicionado a uma ideologia supremacista branca, quer tenha percebido ou não. Você recebe vantagens não merecidas, denominadas privilégio branco, independentemente de ter escolhido ou não. Enquanto experimenta dificuldades e opressão em sua vida por outras identidades e experiências, você não vivencia essas coisas por causa da cor da sua pele.
E seus atos individuais de votar em um candidato negro ou de manter um relacionamento com uma pessoa não branca não apagam nada disso.
Por que você precisa analisar a excepcionalidade branca?
A excepcionalidade branca é particularmente desenfreada nas pessoas brancas progressistas, liberais e espirituais, porque há uma crença de que, sendo essas coisas, você está isento ou acima de tudo. Você não está. Essa crença o torna perigoso para pessoas não brancas, porque você não pode ver a própria cumplicidade e não escutará quando estiver sendo refletido de volta para você. Em sua “Letter from a Birmingham Jail” [“Carta da prisão de Birmingham”], o dr. Martin Luther King Jr. ilustrou os perigos da excepcionalidade branca, frequentemente encontrados no grupo de pessoas que ele descreveu como “brancos moderados”:
Primeiro, devo confessar que, nos últimos anos, fiquei profundamente decepcionado com o branco moderado. Quase cheguei à conclusão lamentável de que o grande obstáculo do negro em sua caminhada em direção à liberdade não é o membro do White Citizen’s Council [Rede estadunidense de organizações supremacistas brancas] ou da Ku Klux Klan, mas o branco moderado, que é mais dedicado à “ordem” do que à justiça; que prefere uma paz negativa, que é a ausência de tensão, a uma paz positiva, que é a presença da justiça; que constantemente diz: “Eu concordo com você no objetivo que procura, mas não posso concordar com seus métodos de ação direta”; que defende a crença paternalista de que pode definir o cronograma para a liberdade de outro homem; que vive de acordo com um conceito mítico de tempo e que constantemente aconselha o negro a esperar por uma “época mais conveniente”. O entendimento superficial de pessoas de boa vontade é mais frustrante do que o mal-entendido absoluto de pessoas de má vontade. A aceitação morna é muito mais desconcertante do que a rejeição direta.
Aqui está a lição no cerne do tópico de hoje: se você acreditar que é excepcional, não fará o trabalho. Se você não fizer o trabalho, continuará causando danos, mesmo que não seja sua intenção. Você não é uma pessoa branca excepcional, o que significa que não está isento do condicionamento da supremacia branca, dos benefícios do privilégio branco e da responsabilidade de continuar fazendo esse trabalho pelo resto da vida. O momento em que você começa a pensar que é excepcional é o momento em que começa a relaxar e volta ao conforto acolhedor e familiar da supremacia branca.
Em seu ensaio “Racism — A White Issue” [“Racismo — Uma questão branca”], publicado na antologia feminista “All the Women Are White, All the Blacks Are Men, But Some of Us Are Brave” [“Todas as mulheres são brancas, todos os negros são homens, mas algumas de nós são corajosas”], Ellen Pence, uma ativista branca, escreve sobre perceber sua própria excepcionalidade branca. Criada por um pai que era abertamente racista e que pregava a superioridade natural dos brancos, ela acreditava que, por não compartilhar dessa ideologia, era “boazinha”. No ensaio, ela escreve sobre participar de protestos, enviar para Martin Luther King Jr. o dinheiro que recebia trabalhando como babá e se confessar com um padre negro em sua paróquia de maioria branca — tomando isso como sinais de que ela não tinha a mesma ideologia racista de seu pai. No entanto, à medida que se envolvia com a organização próxima no programa para apoio a mulheres agredidas, ela começou a expressar um pouco de sua própria excepcionalidade branca. Ela escreve: “Vi pessoas negras e indígenas acusarem mulheres brancas feministas de racismo. Certamente, não se referiam a mim… Eu também era oprimida pelo homem branco. Então, quando ouvia mulheres não brancas falando de privilégio branco, inseria mentalmente a palavra ‘homem’: ‘privilégios de homens brancos’.”
Você já fez isso? Você acredita fervorosa ou inconscientemente que suas ações antirracismo e/ou suas outras identidades marginalizadas significam que você é a exceção no que diz respeito a privilégio branco e supremacia branca?
Layla Saad é escritora, palestrante e podcaster mundialmente conhecida por abordar questões sobre raça, identidade, transformação pessoal e mudanças sociais. Mulher, negra, muçulmana, filha de pais da África Oriental (Zanzibar e Quênia) e nascida no País de Gales, Layla passou a infância na Inglaterra, se formou em direito na Lancaster University e atualmente vive no Catar com o marido e os filhos.

Eu e a supremacia branca
Layla Saad
Trad. Petê Rissatti
240 páginas
Rocco
Lançamento em 16 de novembro