Bauman tentou construir um mundo melhor. Nas diferentes fases de sua vida adulta, nunca foi um observador passivo da sociedade, mas um ativista que vivia em função de seus ideais. Foi testemunha e participante de muitos eventos trágicos que transformaram fundamentalmente nosso mundo — vivenciando o antissemitismo em seus dias de juventude na Polônia, a fuga do nazismo, o exílio na Rússia soviética, a fome, a vida de combate de um soldado, a de um pregador do comunismo durante a implementação de um regime pró-soviético na Polônia, o colapso do stalinismo e a interação do autoritarismo com a democratização parcial na Polônia do pós-guerra. Bauman foi um refugiado duas vezes, em 1939-44 e em 1968. Não escolheu uma vida de nômade, mas ela lhe foi imposta. Durante a maior parte de sua existência, fez o possível para ser um bom polonês, mas a Polônia não o aceitou como tal. Sua identidade polonesa foi contestada pelas normas, pelas leis e pela perseguição antissemitas — a percepção de Bauman de sua identidade não era aceita por aqueles que a controlavam a partir de fora.
O sentimento de identidade (Quem sou eu?) e omaster status (Como os outros me percebem?) são dois eixos que cortam este livro.
Aqui, sigo o pensamento de Everett Hughes (proeminente sociólogo de Chicago), que em 1945 apresentou o conceito demaster status. Com essa expressão ele define a identidade social imposta por outros. Uma contradição de status ocorre quando alguém tenta desempenhar um papel social embora lhe faltem as características necessárias a que a sociedade está habituada. Essa situação costuma ocorrer quando pessoas de grupos discriminados ocupam posições de prestígio, ou tentam fazê-lo.
Ainda criança, Bauman não pôde ser aceito como o primeiro aluno de sua turma na escola, apesar de seus resultados superiores, porque era judeu e tal posição era reservada a um polonês que não pertencesse a esse grupo. Omaster status nesse caso era um dos principais fatores que determinavam e limitavam os papéis sociais que ele podia exercer. Isso prosseguiu por grande parte de sua vida na Polônia: a tensão entre sua autoidentificação — polonês — e omaster status imposto pelas pessoas à sua volta — judeu. Sua experiência era comum no país. Bauman teve muitos outros papéis: estudante, soldado, oficial, acadêmico, pai, emigrante e imigrante. Mas o status que predominou foi sua origem étnico-cultural, que impôs percepções e influenciou fortemente suas interações com os outros.
No nível pessoal, ele aprendeu como o comportamento tribal de sociedades divide as pessoas entre “nós” e “eles” — o “conflito”, como Bauman escreveu, “sobre quem tem o sangue mais vermelho”. Ele muitas vezes abordou esse tema, vendo-o como a origem dos problemas da humanidade. Com certeza, sua própria vida nunca seria inteiramente livre dos tormentos do tribalismo.
Na primeira parte da vida, ele foi afetado por forças extremas que privavam os indivíduos de sua agência e de seu senso de empoderamento. Essa dinâmica provavelmente moldou sua convicção de que a vida consiste em situações arriscadas, de que o controle de uma pessoa sobre a própria existência é amplamente limitado e de que o caráter do indivíduo pode propiciar possibilidades de se ajustar a uma determinada situação, mas a situação é determinada pela história e pela política. Essa visão de seres humanos enredados em um mundo poderoso, fora de seu controle, é contrária à ideologia popular na segunda metade do século 20, que apresentava o indivíduo como artífice de seu próprio destino. Enquanto o mundo neoliberal proclamava que “Se você quiser, você consegue”, Bauman dizia o oposto, descrevendo uma sociedade cuja ideologia leva os cidadãos a acreditarem que sua agência é confirmada pelo consumo — a ilusão onipresente do poder do indivíduo.
Voltados para leitores da sociedade ocidental, seus livros afirmavam que, embora o capitalismo prometesse que a felicidade podia ser alcançada por meio das compras e do consumo, ele na verdade desestabilizava tudo aquilo que a civilização havia criado: as relações sociais, o amor, as regras, a moral, os valores — nos termos de Bauman, ele os “liquefazia”. Os processos e regras da era “moderna”, antes sólidos, com seu sentido de desenvolvimento e progresso constantes, agora eram líquidos, caracterizados por uma preferência pelas novas, próximas e melhores soluções, pela inovação em si. O sentimento de “liquidez” — sua temporalidade e falta de estabilidade — caracterizava os nossos tempos. O modo de vida antigo, percebido como sólido, fixo e claro, dava lugar a algo novo, ainda não estabelecido de fato — uma espécie de trabalho em andamento. Nossa época era um período intermediário no qual cada membro de uma sociedade desenvolvida precisava ser flexível, pois as estruturas, as regras e os valores precedentes não estavam mais disponíveis. A precariedade era a consequência das transformações de nossas sociedades.
No mundo líquido, tudo se transforma com tanta rapidez que somos levados a sentir que a vida é transitória. Os tempos líquidos são definidos pela incerteza. Se, nas gerações anteriores, muitas pessoas passavam a vida toda trabalhando no mesmo lugar, tendo a mesma ocupação, muitas vezes com o mesmo parceiro e a mesma família vivendo na mesma casa, os habitantes do mundo líquido são obrigados a mudar de local de trabalho e de ocupação, adaptando-se a um ambiente dinâmico. Essa instabilidade contextual está relacionada a um elevado grau de mobilidade geográfica. A dinâmica da liquidez modificou as relações sociais, que se tornaram frágeis. Os laços sociais se fragilizaram, aumentando a solidão das pessoas. A crença persistente de que comprar o último produto da moda nos faria felizes era uma poderosa ilusão. Essa é a desconstrução baumaniana de nossas sociedades ocidentais.
Bauman sabia muito sobre ilusões, crenças, pertencimento e engajamento. Foi um ex-missionário do socialismo que teve lições de engajamento ao procurar construir uma nova sociedade na primeira parte de sua vida, e então passou a segunda parte advertindo as pessoas sobre o perigo de engajamentos e crenças inumanos. Sua transformação foi diferente da dos colegas que, criticando seus sistemas de crenças iniciais, lançaram-se de cabeça em outros, novos e opostos (do comunismo ao capitalismo). Bauman manteve seus valores e sonhos sobre justiça social, mas analisou de forma crítica os sistemas que estavam sendo produzidos, supostamente para atingir objetivos nobres.
Este livro, a primeira biografia abrangente de Bauman, situa seu trabalho no contexto de sua vida. Espera-se que possibilite aos leitores de sua obra revisitá-la com uma percepção mais profunda de suas mensagens, que emanam não apenas da volumosa produção acadêmica e do pensamento de Bauman, mas também de suas icônicas experiências.
Izabela Wagner é professora de sociologia no Collegium Civitas em Varsóvia, fellow do Institute Convergence Migrations, em Paris, e do Bauman Institute, na Universidade de Leeds, Inglaterra. Socióloga e etnógrafa, desenvolve pesquisa na área de estudos de migração forçada na Europa. Nascida em Wolów, na Polônia, mora atualmente na Sardenha, onde atua em campos de refugiados.

Bauman: uma biografia
Izabela Wagner
Trad. Carlos Alberto Medeiros
648 páginas
Zahar
Lançamento em 6 de dezembro