As freiras do Bom Pastor, encarregadas do convento, mantinham ali uma escola técnica para meninas, proporcionando-lhes educação básica. Também administravam uma lavanderia. Pouco se sabia sobre a escola técnica, mas a lavanderia tinha boa reputação: restaurantes e pensões, a casa de repouso e o hospital e todos os padres e famílias abastadas mandavam sua roupa para lá. Os relatos eram de que tudo o que era enviado, fosse uma montanha de roupas de cama ou apenas uma dezena de lenços, voltava como novo.
Diziam outras coisas também sobre aquele lugar. Alguns contavam que as meninas da escola técnica, como eram conhecidas, não estudavam nada, que não eram moças de bom caráter, que passavam os dias sendo reformadas, fazendo penitência ao lavar as manchas da roupa suja, e que trabalhavam desde o amanhecer até a noite. A enfermeira local disse que havia sido chamada para tratar de uma garota de 15 anos com varizes por ficar tanto tempo parada diante do tanque. Outros alegavam que eram as próprias freiras que trabalhavam até os ossos, tricotando suéteres e enfiando contas em rosários para exportação, que tinham corações de ouro e problemas nos olhos, e não tinham permissão para falar, apenas para rezar; que algumas não recebiam, como alimento, mais do que pão com manteiga durante metade do dia, mas tinham permissão para fazer um jantar quente à noite, uma vez terminado o trabalho. Outros juravam que o lugar não era melhor do que uma daquelas casas de mães e bebês, onde meninas solteiras e comuns iam para ficar escondidas depois de dar à luz, dizendo que sua própria família as colocara lá depois que seus filhos ilegítimos tinham sido adotados por estadunidenses ricos, ou enviados para a Austrália; que as freiras ganhavam um bom dinheiro encontrando um lugar para esses bebês no exterior; que era uma indústria o que mantinham.
Mas as pessoas diziam muitas coisas – e uma boa metade daquilo que era dito não merecia crédito; nunca houve falta de mentes ociosas ou fofocas pela cidade.
Furlong não gostava de acreditar em nada daquilo, mas foi certa noite até o convento com uma carga bem antes do prazo, e não encontrando sinal de ninguém na frente da casa, passou pelo depósito de carvão no canto da parede lateral e deslizou o ferrolho de uma porta pesada, que empurrou, deparando-se com um belo pomar cujas árvores estavam cheias de frutas: maçãs vermelhas e amarelas, peras. Seguiu, com a intenção de roubar uma pera sardenta, mas, assim que sua bota tocou a grama, um bando de gansos implacáveis correu atrás dele. Quando recuou, os gansos ficaram na ponta das patas e bateram as asas, esticando o pescoço em triunfo, e sibilaram para ele.
Ele seguiu até uma pequena capela iluminada, onde encontrou mais de uma dezena de moças e meninas de quatro, diante de antiquadas latas de polidor de lavanda e trapos, polindo o chão vigorosamente, em círculos. Assim que o viram, elas pareceram ter sido escaldadas – só por ele entrar perguntando pela irmã Carmel, e ela por acaso estava por ali? E nenhuma delas usava sapatos – andavam com meias pretas e uma espécie de horroroso vestido largo cinzento. Uma garota tinha uma feia inflamação no olho, e o cabelo de outra tinha sido cortado de forma grosseira, como se alguém cego tivesse metido a tesoura ali.
Foi ela quem veio até ele.
– Senhor, será que pode nos ajudar?
Furlong sentiu-se recuando.
– É só me levar até o rio. É tudo o que precisa fazer.
Ela estava falando muito sério e o sotaque era de Dublin.
– Até o rio?
– Ou é só me deixar sair pelo portão.
– Não depende de mim, moça. Não posso te levar a lugar nenhum – Furlong disse, mostrando-lhe as mãos abertas e vazias.
– Me leve para casa com o senhor, então. Trabalho para o senhor até cair dura.
– Se eu não tivesse cinco filhas e uma esposa em casa.
– Bem, eu não tenho ninguém, e tudo o que eu quero é me afogar. Será que não pode fazer nem mesmo isso por nós?
De repente, ela caiu de joelhos e começou a polir – e Furlong viu, ao se virar, uma freira parada no confessionário.
– Irmã – disse Furlong.
– Posso ajudar?
– Eu só estava procurando a irmã Carmel.
– Ela foi para St. Margaret’s – disse ela. – Talvez eu possa ajudar.
– Tenho um carregamento de toras e carvão para vocês, Irmã.
Assim que ela percebeu quem ele era, mudou.
– Era o senhor que estava no gramado, incomodando os gansos?
Sentindo-se estranhamente castigado, Furlong tirou a garota da cabeça e seguiu a freira até a frente, onde ela leu o resumo do pedido e inspecionou a carga para ter certeza de que estava correta. Deixou-o então, voltando pela entrada lateral, enquanto ele colocava o carvão e a lenha no galpão; regressou em seguida pela porta da frente para pagar. Ele ficou observando-a enquanto ela contava as notas; ela o fazia pensar num cavalinho forte e mimado que por tempo demasiado tivera autorização para se comportar como bem entendesse. A necessidade de dizer algo sobre a garota cresceu, mas desapareceu, e no fim ele simplesmente fez o recibo que ela pediu e o entregou.
Assim que entrou no caminhão, ele fechou a porta e partiu. Mais adiante, na estrada, percebeu que não havia dobrado na entrada que deveria e estava indo na direção errada, à toda; teve que dizer a si mesmo para se acalmar e ir mais devagar. Não parava de imaginar as garotas de joelhos, polindo o chão, e o estado em que se encontravam. O que lhe chamou a atenção também foi o fato de que, ao seguir a freira voltando da capela, notou um cadeado do lado de dentro da porta que levava do pomar até a frente, e que no topo do muro alto que separava o convento de St. Margaret’s, ali ao lado, havia cacos de vidro. E que a freira havia trancado a porta da frente com a chave, depois de entrar, saindo apenas para pagar.
Uma neblina caía, pairando em longas camadas e lascas, e não havia espaço na estrada sinuosa para fazer a volta, então Furlong virou à direita numa estrada secundária e, mais adiante, virou novamente à direita em outra estrada, que ficou ainda mais estreita. Depois de fazer outra curva e passar por um celeiro pelo qual não tinha certeza de já não ter passado, encontrou um bode solto arrastando uma corda curta e se deparou com um velho de colete e facão, cortando um monte de cardos mortos na beira da estrada.
Furlong parou e deu boa tarde ao homem.
– O senhor poderia me dizer onde esta estrada vai dar?
– Esta estrada? – o homem soltou o facão, apoiou-se no cabo e olhou para ele. – Esta estrada vai dar onde você quiser, filho.
Pequenas coisas como estas
Claire Keegan
Trad. Adriana Lisboa
Relicário
128 páginas