Quais os efeitos do desmatamento no abastecimento de água
Camilo Rocha
17 de março de 2018(atualizado 28/12/2023 às 23h27)Estudos mostram que a frequência de chuvas e a diminuição do volume de água em lençóis freáticos podem ser potencializados pelo desmatamento
Cientistas se preocupam com total desmatado na Amazônia nos próximos 50 anos
Este é o segundo expresso da série especial sobre água. No dia 22 de março, comemora-se o Dia Mundial da Água. Em Brasília, entre os dias 18 e 23 de março, acontece o Fórum Mundial da Água. ONexo aproveita a data para tratar de alguns dos temas relevantes para a área nesta série de quatro expressos e um gráfico.
Há uma íntima relação entre menos vegetação natural e comprometimento de fontes d’água. Fatores como a frequência de chuvas e a diminuição do volume de água em lençóis freáticos podem ser potencializados pelo desmatamento.
Ao longo dos anos, ambientalistas, biólogos, climatologistas e outros pesquisadores vêm publicando estudos e soando alertas para as consequências que o desmatamento pode ter no clima e nas fontes d’água em diversas áreas do país.
No primeiro ano da crise hídrica que atingiu São Paulo entre 2014 e 2016, o cientista Antônio Nobre publicou o trabalho “O futuro climático da Amazônia” . Construído a partir de dados de dezenas de estudos da biologia e da climatologia, entre outras áreas, Nobre explica que “a devastação da floresta oceano-verde gera um clima dramaticamente inóspito”.
“Os especialistas já comprovaram que o desmatamento desenfreado está agravando o desabastecimento de água”, explicou Nurit Bensusan, bióloga e pesquisadora associada da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista ao site do ISA (Instituto Socioambiental) , em fevereiro de 2018.
Os sistemas se constituem de elementos conectados. As estiagens em si não são novidade, elas vêm e vão em ciclos. Mas pesquisadores apontam que a estiagem em um planeta em média 1ºC mais quente representa um problema mais sério. Uma área que enfrenta uma seca é ainda mais prejudicada se sofreu desmatamento.
Na década de 1970, pesquisadores apontaram pela primeira vez que chuvas em diversas regiões da América do Sul podiam sofrer influência do vapor proveniente da Amazônia
“Temos períodos de seca por razões que independem das mudanças climáticas”, explicou o climatologista Carlos Nobre , em 2016. “Mas o impacto de uma seca similar (digamos, com 50% menos de chuva) há cem anos é diferente hoje, num planeta em que a temperatura já está um grau mais alta. Hoje, por conta disso, a evaporação da água é mais acelerada – isso é uma realidade em vários lugares do mundo. Então, o déficit de chuva pode ser o mesmo, mas o déficit de água no solo é maior.”
Países como a China têm adotado políticas de reflorestamento como medida de segurança contra futuros problemas climáticos. Para ambientalistas e cientistas, o Código Florestal, aprovado em 2012, vai na direção contrária.
“A taxa oficial de desmatamento do governo [em 2016] mostra uma alta de 75% desde que as mudanças do Código Florestal foram aprovadas”, explicou Antônio Fonseca , um dos responsáveis pelo boletim de desmatamento do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), em entrevista à Folha em 2016.
Em 2013, a Procuradoria-Geral da República e o PSOL foram à Justiça contestar mais de 40 itens do Código por meio de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no STF (Supremo Tribunal Federal). O tribunal acolheu apenas quatro dos questionamentos.
“A floresta amazônica não somente mantém o ar úmido para si mesma, mas exporta rios aéreos de vapor que transportam a água para as chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico”, relatou Nobre em seu estudo.
Na década de 1970, pesquisadores liderados pelo engenheiro agrônomo Enéas Salati apontaram pela primeira vez que chuvas em diversas regiões da América do Sul podiam sofrer influência do vapor proveniente da Amazônia, produzido por seu solo e pela vegetação.
Duas décadas depois, os pesquisadores americanos Reginald e Nicholas Newell formularam a ideia de “rios atmosféricos”, ou seja, fluxos na baixa atmosfera que carregavam quantidades de água sob a forma de vapor em volumes superiores ao que o próprio rio Amazonas leva por dia (17 bilhões de toneladas por dia).
A redução dessa “transpiração” e seu efeito nas chuvas e estiagens de regiões como Sudeste e Centro-Oeste, seria uma das consequências do desmatamento. De acordo com o trabalho de Nobre, modelos climáticos do início da década de 90 já antecipavam esses processos.
Além disso, desde 2005 a região enfrentou três graves secas e três fortes inundações, apontadas por muitos especialistas brasileiros e estrangeiros como consequência das mudanças climáticas na Terra. Tudo isso contribui para desequilibrar o ciclo hidrológico da região.
O total absoluto de área desmatada a que a região pode chegar nos próximos 50 anos é motivo de preocupação. Um estudo dos pesquisadores Carlos Nobre e do americano Thomas Lovejoy, da Universidade George Mason, na Virgínia (EUA) alertou para esse total, em detrimento das análises anuais.
“Acreditamos que as sinergias negativas entre desmatamento, mudanças climáticas e uso indiscriminado de incêndios florestais indicam um ponto de virada para transformar as partes sul, leste e central da Amazônia em um ecossistema não florestal, se o desmatamento chegar a taxas entre 20% e 25%”, alertaram os cientistas no artigo.
Segundo maior bioma da América do Sul, o cerrado se espalha por 12 estados do país: Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná e São Paulo. Sua área se sobrepõe aos três principais aquíferos da América do Sul: o Guarani, o Bambuí e o Urucuia. Além disso, abastece oito das 12 regiões hidrográficas do país.
Em 2017, o governo federal divulgou que o bioma perdeu cerca de 9.500 quilômetros quadrados de vegetação em 2015. O volume é 52% maior do que o perdido pelo bioma da Amazônia.
Área do bioma do Cerrado
“O cerrado funciona como um guarda-chuva para as águas brasileiras. A água bate e é distribuída para o Brasil inteiro. Por isso, a escassez no local tem repercussão em todo o território nacional, e a preservação ganha mais importância”, afirmou Jorge Werneck , presidente do Comitê da Bacia do Paranoá à rádio EBC.
A região do cerrado é uma fronteira agrícola prioritária para o setor agropecuário. Mas quando a agricultura substitui a vegetação original, a transpiração das plantas e do solo se reduz drasticamente. Um estudo de 2016 da revista científica Global Chance Biology mostrou que ela chega a ser 50% maior do que nas culturas agrícolas.
As plantas nativas também se caracterizam por raízes grandes e profundas. “Elas penetram fundo no solo, criam caminhos por onde a água passa e abastecem o lençol freático e os aquíferos subterrâneos. Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), como o professor José Eloi, especialista em hidrogeologia, vêm chamando atenção para a redução significativa de recarga dos aquíferos causada pela supressão da vegetação”, explicou Bensusan ao site do ISA.
“Só que os níveis da água subterrânea estão diminuindo com o tempo”, explicou Eloi à revista Época . “Córregos que costumavam ser perenes, agora desaparecem em períodos de seca.”
Rios que abastecem as represas que servem o Distrito Federal perderam volume. Pesquisadores avaliam que a situação ambiental do cerrado contribuiu para o estresse hídrico enfrentado pela capital do país entre o início de 2017 e 2018.
Com chuvas abaixo da média, os dois principais reservatórios da cidade viram seus índices baixarem muito: o de Santa Maria chegou a 21,6% e o do Descoberto, o maior, bateu em 5,3% – um recorde histórico. Moradores de áreas distantes do Plano Piloto, como Brazlândia, a 36 quilômetros do centro de Brasília, chegaram a ficar uma semana sem água.
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