Expresso

Mercosul e União Europeia: como as queimadas afetam o acordo

Matheus Pimentel

23 de agosto de 2019(atualizado 28/12/2023 às 22h53)

Presidente francês e primeiro-ministro irlandês criticam fogo na Amazônia e veem descompromisso do Brasil com o meio ambiente. Governo Bolsonaro defende políticas e diz que país protege a floresta

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FOTO: JORGE SILVA/REUTERS – 29.06.2019

Lado a lado da esquerda para a direita: Emmanuel Macron, Pedro Sánchez, Angela Merkel, Donald Tusk, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri. Atrás, painel com os dizeres em inglês "Cúpula de Osaka 2019". Eles se preparam para foto oficial do encontro.

Na reunião do G20, Jair Bolsonaro ao lado de outros líderes. Da esq. para dir.: Emmanuel Macron (presidente da França), Pedro Sánchez (premiê da Espanha), Angela Merkel (premiê da Alemanha), Donald Tusk (presidente do Conselho Europeu) e Mauricio Macri (presidente da Argentina)

O presidente da França, Emmanuel Macron, voltou nesta sexta-feira (23) a criticar o presidente Jair Bolsonaro diante do aumento de queimadas e do desmatamento na Amazônia.

Via comunicado oficial, Macron desta vez deu um passo a mais e afirmou que Bolsonaro “ mentiu ” sobre compromissos ambientais do governo brasileiro e que a França não irá mais apoiar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, firmado em junho de 2019.

“Considerando a atitude do Brasil nas últimas semanas, o presidente da República [Macron] conclui que o presidente Bolsonaro mentiu para ele durante o encontro de Osaka [reunião do G20 em junho de 2019]. (…) O presidente Bolsonaro decidiu não respeitar os compromissos climáticos nem sobre biodiversidade. (…) Nessas condições, a França se opõe ao acordo com o Mercosul no estado atual”

comunicado oficial do governo da França

O governo da Irlanda também se posicionou contra o acordo com o Mercosul por conta das políticas do governo Bolsonaro no meio ambiente. “Não há chance de a Irlanda votar a favor do acordo de livre comércio se o Brasil não honrar seus compromissos ambientais”, disse o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, na noite de quinta-feira (22).

O governo da Finlândia defendeu que o bloco europeu deve analisar a possibilidade de banir a importação de carne bovina brasileira como retaliação às grandes queimadas na Amazônia e modo de pressionar o governo Bolsonaro na área ambiental. O Brasil é o maior exportador de carne do mundo e tem na União Europeia o seu segundo maior parceiro comercial, atrás apenas da China.

Bolsonaro reprovou nesta sexta (23) a fala de Macron e disse que o presidente francês dissemina “ ódio contra o Brasil ” e age “por mera vaidade”.

Ao longo da semana, com a repercussão internacional das grandes queimadas na Amazônia, Bolsonaro voltou a dizer que o Brasil defende o meio ambiente, afirmou que críticas de Macron são “sensacionalistas” e atribuiu, sem apresentar nenhuma evidência, a responsabilidade do fogo a ONGs ambientalistas.

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) criticou nesta sexta (23) o risco de haver um recuo no acordo comercial. “É preocupante que integrantes do tratado recorram a pretextos que não têm qualquer relação com o que foi negociado para fazer política interna e tentar atacar a imagem do Brasil”, disse a entidade em nota oficial , defendendo ainda as empresas e o agronegócio do país.

Os dados das queimadas
Focos de incêndio florestal cresceram 82% no Brasil em 2019, segundo dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) que vão de janeiro até o dia 18 de agosto, em comparação com o mesmo período de 2018. No total, o país contabilizou pouco mais de 71 mil pontos de queimada, e a região mais atingida é a Amazônia. O número é recorde para o período desde que o Inpe começou a fazer o levantamento, em 2013.

A conversa Bolsonaro-Macron em junho

No fim de junho de 2019, líderes do G20 se reuniram na cidade japonesa de Osaka. Às vésperas do encontro, Macron havia declarado que a União Europeia não poderia seguir adiante com o acordo comercial se não houvesse garantia do Mercosul de que os países sul-americanos seguiriam o Acordo de Paris, sobre mudanças climáticas.

A crítica era direcionada a Bolsonaro, que sinalizou na campanha e no governo a possibilidade de abandonar o acordo climático. Após essa divergência pública, Macron e Bolsonaro se encontraram pessoalmente em Osaka.

Na ocasião , os dois afirmaram que haviam chegado a convergências e Bolsonaro se comprometeu a seguir o Acordo de Paris. É sobre essa conversa que agora Macron se refere dizendo que Bolsonaro “mentiu”.

Enquanto ocorria o encontro em Osaka, Mercosul e União Europeia firmaram o acordo em Bruxelas, na Bélgica. A assinatura foi comemorada pelo presidente brasileiro como uma medida liberalizante que iria impulsionar a economia brasileira.

No documento existe uma cláusula em que os países signatários se comprometem a seguir os termos do pacto climático de Paris, além de outros trechos sobre desenvolvimento sustentável.

O peso das declarações para o acordo

Uma das etapas para o acordo comercial começar a valer é a aprovação no Conselho Europeu, órgão que representa o comando político do bloco e é formado por chefes de Estado ou de governo de todos os 28 países-membros da União Europeia.

Macron faz parte desse conselho e declarou agora um voto contrário. O acordo é multilateral, mas por conta da influência francesa no bloco ele pode convencer outros países a irem no mesmo sentido, colocando em risco a ratificação.

A Irlanda é um país com menos poder no bloco, mas qualquer manifestação oficial contrária vinda de líderes da União Europeia sobre o assunto representa um desgaste político e um novo risco contra o acordo.

Já era esperado pelos dois lados que todo o processo de ratificação durasse anos, mesmo numa perspectiva otimista. O ritmo é lento por conta da grande dimensão do acordo. As divergências públicas entre Brasil e França dificultam ainda mais o trâmite.

O que o acordo comercial prevê

Os dois blocos assinaram em junho de 2019 um amplo acordo de livre comércio que vinha sendo negociado havia duas décadas. Ao abranger Mercosul e União Europeia, que somam 32 países, o acordo inclui cerca de 25% da economia global. Entre os pontos do acordo estão:

  • redução ou eliminação de taxas sobre produtos brasileiros como suco de laranja e carne e produtos europeus como maquinário e químicos
  • menos trâmite para exportações e importações, como barreiras sanitárias

Produtores rurais europeus são antigos opositores de um grande acordo com o Mercosul. Na visão deles, existe um nítido risco de concorrência desleal, pois na Europa precisam seguir regras mais rígidas de produção, o que encarece o processo. Assim, não conseguiriam competir com os preços, por exemplo, da carne brasileira e teriam seus negócios ameaçados. Internamente, eles pressionam politicamente as autoridades a não fazer concessões ao setor agropecuário do Mercosul.

Outra frente crítica ao acordo na Europa é o de ecologistas e ambientalistas . Os chamados “verdes” ganharam mais espaço no Parlamento Europeu a partir das eleições de maio de 2019, se tornando a quarta maior força política do órgão. Em geral, eles reivindicam que o Mercosul precisa adotar políticas tão rígidas como as europeias em questões como compromisso com meio ambiente, agrotóxicos e direitos trabalhistas. Caso contrário, mencionam a possibilidade de sancionar produtos brasileiros. Para ser ratificado, o acordo comercial também precisa de aprovação do Parlamento Europeu.

A Amazônia no encontro de líderes globais

Os líderes do G7 se reúnem entre este sábado (24) e segunda-feira (26) na cidade francesa de Biarritz. O encontro já estava previsto, mas na quinta-feira (22) Macron declarou publicamente que as queimadas na Amazônia representavam uma crise internacional e deveriam se tornar um dos assuntos prioritários para a reunião de cúpula.

Essa reivindicação do presidente francês foi depois apoiada pela primeira-ministra alemã , Angela Merkel, e pelo primeiro-ministro canadense , Justin Trudeau. O G7 é formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

Bolsonaro afirmou ainda na quinta (22) que o G7 discutir a Amazônia sem a presença de países sul-americanos “ evoca mentalidade colonialista ”.

França e Alemanha são as duas maiores forças políticas da União Europeia. Macron e Merkel costumam se aliar na política do bloco, mas até o momento a primeira-ministra alemã não falou sobre votar contra o acordo com o Mercosul. Em 10 de agosto de 2019, o governo alemão anunciou que iria paralisar os repasses que faz ao Fundo Amazônia, de conservação ambiental, por não ser possível “ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”.

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