Mercado de carbono: o tema que travou discussões na COP-25
Mariana Vick
17 de dezembro de 2019(atualizado 28/12/2023 às 13h00)Após obstruções do Brasil em negociações em Madri, acordo sobre comércio de emissões de gases do efeito estufa deve ficar para evento de 2020, mesmo ano em que Acordo de Paris entra em vigor
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Homem anda sob neblina em frente à Porta da Índia, em Nova Deli, na Índia
Após o fim da COP-25 , conferência sobre o clima realizada pelas Nações Unidas de 2 a 15 de dezembro em Madri, na Espanha, 31 países afirmam que as regras para o mercado de carbono que o Brasil defendeu durante o evento, se adotadas, poderiam minar a meta de limitar o aumento do aquecimento global a 1,5º C até 2100, como almeja a comunidade internacional.
A definição de um mercado global de carbono, que estava entre os objetivos da cúpula de 2019, foi um dos principais gargalos do evento, que prolongou as negociações por dois dias (o fim da COP estava previsto para o dia 13) sem chegar a um acordo. As delegações de países como Brasil e Austrália obstruíram o debate do tema, adiando a decisão para a COP de 2020, que deve acontecer na Escócia.
A tarefa de regular a compra e venda de emissões de gases do efeito estufa está prevista no artigo 6 do Acordo de Paris , tratado internacional de combate à crise do clima assinado em 2015. Antes dele, mercados de carbono funcionaram sob a vigência do antigo Protocolo de Kyoto . A ideia de agora, contudo, é atualizar seus mecanismos à luz das ambições e metas do acordo recente, que passa a vigorar em 2020.
Inventados durante o Protocolo de Kyoto, tratado climático global que vigorou de 2005 a 2012, os mercados de carbono são o palco do comércio dos chamados direitos de emissões de gases do efeito estufa, no qual tanto Estados quanto empresas e organizações podem atuar.
A essa permissão para emitir gases do efeito estufa se dá o nome de crédito de carbono . A princípio, parece contraintuitivo criar um dispositivo que permite poluir. Mas um crédito de carbono só é obtido quando um país ou empresa apoia, como contrapartida para a emissão, uma medida para reduzir a poluição, como um projeto de energia limpa.
Uma unidade de crédito de carbono corresponde a uma tonelada de gás carbônico (CO 2) compensada por um projeto ambiental. Um projeto que ajuda a neutralizar a 200 mil toneladas de emissões de carbono, por exemplo, representa 200 mil unidades de crédito de carbono.
400 milhões
de toneladas de carbono foram negociadas entre 2005 e 2008, movimentando cerca de RS$ 6,5 bilhões
A criação de mercados de carbono surgiu em um contexto em que países altamente poluentes, os signatários do Protocolo de Kyoto, criaram metas para reduzir suas emissões. Como tomar medidas mais profundas (como substituir a matriz energética) pode ser altamente complexo e custoso em um curto espaço de tempo, eles passaram a comprar créditos de carbono incentivando projetos ambientais.
Imagine, por exemplo, que um país europeu deveria manter suas emissões dentro de certos níveis, como acordado no tratado, mas percebeu que isso não seria possível de fazer em seu território. Ele então poderia comprar créditos de outro país que conseguia reduzir as emissões, dando apoio a projetos que compensassem os danos.
Apenas países desenvolvidos estavam dentro do Protocolo de Kyoto. Por causa disso, nações que não faziam parte do acordo, como o Brasil, passaram a receber uma série de projetos apoiados pelos signatários como forma de compensar suas emissões. A dinâmica de venda e compra de créditos de carbono foi regulada por um instrumento do acordo de Kyoto chamado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Ao longo dos anos, o mercado de carbono se expandiu para várias partes, estruturando-se em diversos mercados regionais que operavam sob diferentes regras. A fórmula, no entanto, apresentou falhas — com o tempo, as estatísticas, a fiscalização e a eficiência dos projetos feitos sob MDL perderam credibilidade. Além disso, a eclosão da crise financeira de 2008 levou esses mercados a uma forte desaceleração.
Agora, o Acordo de Paris busca recuperar a fórmula dos mercados de carbono, mas fazendo modificações e corrigindo falhas do antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. A principal mudança diz respeito ao papel dos 195 signatários — sob o novo tratado, todos os países, não só ricos, devem cumprir metas de redução de emissões.
Ao assinarem o Acordo de Paris, os signatários concordaram que, para atingir as metas de redução de poluentes estabelecidas no novo acordo, seria preciso criar um novo mercado global de carbono como forma de incentivar a descarbonização dos países a baixo custo.
As propostas para o novo cenário estão definidas no artigo 6 do tratado. Indo além do que definia o Protocolo de Kyoto, o texto de 2015 propõe criar um sistema global de governança de compra e venda de emissões, valendo tanto para Estados quanto empresas. Seria o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, sucessor mais robusto do antigo MDL.
A definição das regras para esse novo sistema é o único ponto não resolvido do Acordo de Paris. Até agora, os negociadores têm hesitado em decidir porque, segundo eles, o assunto é tão crucial que a adoção de regras fracas poderia minar todas as ambições do tratado de 2015, com potencial inclusive de provocar aumento de emissões.
“O risco é que os mercados de carbono sejam usados como um artifício para cumprir as metas de redução de emissões no papel. Eles podem ser usados como uma desculpa para não fazer muito na prática”
Mais importante tratado climático da atualidade, o Acordo de Paris tem como objetivo limitar o aquecimento global a 2ºC até 2100. Após o acordo, os países passaram a perseguir uma marca mais ambiciosa: 1,5ºC em relação à era pré-industrial. O limite é comprovadamente mais seguro para a adaptação das sociedades, das economias e dos ecossistemas às alterações previstas para o clima neste século.
Causas
A mudança climática começa com atividades como a queima de combustíveis fósseis, a agropecuária, o descarte de lixo e o desmatamento, que emitem grande quantidade de gases que acarretam no efeito estufa, fenômeno que torna o planeta mais quente. Entre as emissões de gases, destacam-se as de metano, óxido nitroso e gás carbônico (CO₂), que representa mais de 70% dos lançamentos. São poluidores os setores de energia, transportes e alimentos, entre outros.
Efeitos
A emissão de gases poluentes formadores do efeito estufa pelas atividades humanas, intensificadas após a era industrial, tem causado o fenômeno que se chama de aquecimento global. Suas consequências mais visíveis têm sido o aumento das temperaturas do ar e da água, o derretimento de calotas polares e a elevação do nível de mares e oceanos. A expressão “mudança climática” é um sinônimo abrangente de aquecimento global, que engloba outras reações do clima à poluição.
1ºC
foi quanto a temperatura média do planeta aumentou em relação ao período pré-industrial, antes do século 19
Previsões
Em 2018, um estudo do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU disse que a temperatura mundial pode aumentar 0,5ºC em uma década se as emissões de CO₂ não tiverem cortes imediatos. Outras projeções do clima mostram que o aquecimento poderia chegar até 6ºC até 2100 se o ritmo da economia continuar o mesmo. As consequências da crise do clima devem se sentir nas próximas décadas, e, se o aumento das temperaturas se concretizar, o quadro de grandes tempestades, incêndios florestais, escassez de alimentos, inundações e secas severas deve piorar.
Ao menos duas controvérsias marcaram as negociações sobre as regras para o mercado de carbono na COP-25. A primeira se refere a créditos de carbono trocados ainda durante a vigência do Protocolo de Kyoto e a segunda, ao cálculo de créditos que deve ser feito com a implementação do Acordo de Paris, a partir do ano que vem.
Ambos os impasses foram marcados pela participação do Brasil , chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ao lado de países como Austrália, a delegação nacional pressionou por acordos que inflassem a contagem de créditos de carbono brasileiros. A ideia era trazer compensação por projetos já feitos, segundo o governo, mas outros países dizem que as propostas poderiam prejudicar o clima.
A dupla contagem
Uma das questões que colocam o Brasil contra outros países é a contabilidade de créditos de carbono de cada nação. A maioria dos países afirma que o corte de emissões de um projeto não pode ser contabilizado simultaneamente para o país que comprou os créditos e para o país que os vendeu. Imagine que o Brasil vendeu 100 mil toneladas de carbono a um país europeu em um projeto local, mas deseja usar esses mesmos créditos para justificar que reduziu as suas próprias metas de emissão. Isso seria dupla contagem.
O uso de antigos créditos
O Brasil deseja negociar seus excedentes de créditos do antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo no mercado de carbono a ser criado no Acordo de Paris. A proposta não é aceita por outros países por ter potencial de levar ao mercado créditos que hoje não têm valor, prejudicando os esforços globais para redução de emissões. Isso porque os critérios para avaliação de créditos de carbono hoje não são os mesmos que de anos atrás — avaliações recentes mostram que o MDL deu apoio a projetos duvidosos para redução de emissões.
Além de fazer exigências específicas para as negociações sobre mercados, o Brasil foi à COP com o objetivo de cobrar o pagamento de projetos de créditos de carbono realizados no país na época do antigo MDL. Apesar de muitos créditos não terem sido pagos, a iniciativa é criticada por especialistas que dizem que os mercados de então deram errado, e retomá-los agora não trará ganhos novos para o clima.
Após ser acusado de obstruir negociações, o Brasil mostrou disposição para abrir mão da posição isolada em troca de recursos, segundo o jornal Folha de S.Paulo. A proposta, contudo, não foi atendida por outros países. Ao fim do evento, o Brasil saiu com a imagem abalada, e Salles comentou que “ a COP não deu em nada ” por ter, segundo ele, deixado “prevalecer uma visão protecionista” do mercado de carbono.
A COP terminou sem acordo. Após o evento, 31 países disseram defender que as regras sobre mercados de carbono devem garantir integridade ambiental (ou seja, devem ser eficientes para reduzir as emissões), definir compromissos para a maior quantidade possível de países, proibir o uso de créditos anteriores ao Acordo de Paris e criar instrumentos fortes de transparência, fiscalização e controle social.
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