Expresso

Do que se fala quando se fala em imprimir dinheiro

Marcelo Roubicek

10 de maio de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h02)

Diante de crise causada pela pandemia do novo coronavírus, alguns economistas vêm defendendo a emissão de moeda pelo Banco Central. O ‘Nexo’ conversou com dois professores para entender o debate

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FOTO: SERGIO MORAES/REUTERS – 23.08.2012

Funcionário confere produção do Real na Casa da Moeda. Uma mão está posicionada sobre uma folha de notas de 10 reais não cortada.

Funcionário confere produção do Real na Casa da Moeda

A pandemia do novo coronavírus abriu uma crise econômica de enormes proporções no Brasil e no mundo. Se as previsões de órgãos internacionais se concretizarem, 2020 poderá marcar a maior recessão mundial desde 1929 , ano em que eclodiu a Grande Depressão .

Em meio às perspectivas ruins, as atenções se voltam para os governos como agentes que podem atenuar os efeitos negativos da crise. O aumento de gastos públicos e a adoção de políticas de renda para apoio da população mais vulnerável estão entre as demandas defendidas por muitos economistas em meio à pandemia e adotada por diversos países.

Em paralelo a isso, no Brasil e no mundo , outra ideia tem aparecido como alternativa para combater a crise econômica: imprimir dinheiro. No Brasil, a prática foi defendida por economistas como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles e a professora da Universidade Johns Hopkins Monica de Bolle . O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a levantar a possibilidade , indo na contramão do que defendeu o presidente do Banco Central , Roberto Campos Neto.

Abaixo, o Nexo explica o que exatamente significa falar sobre “impressão de dinheiro” e por que essa ideia gera discordâncias entre economistas.

O que é imprimir dinheiro

“Imprimir dinheiro” parece ser algo simples – mas não é. Não se trata de rodar as máquinas da Casa da Moeda e colocar mais notas em circulação. Na prática, quando se fala em “imprimir dinheiro”, está se falando em emitir moeda. E o controle dessa emissão não é responsabilidade da Casa da Moeda, e sim do Banco Central (apesar de que cabe ao Congresso impor limites à emissão de moeda).

O Banco Central é a autoridade monetária do país. Ele tem diversos instrumentos para tentar colocar mais dinheiro em circulação na economia. Ele pode, por exemplo, mudar regras para pôr mais dinheiro à disposição dos bancos comerciais, com a intenção de aumentar os empréstimos. Outra alternativa é baixar a taxa básica de juros, o que estimula que novos empréstimos sejam tomados e mais dinheiro circule na economia.

Quando o governo federal aumenta gastos, ele também está colocando dinheiro na economia. Esses recursos podem vir da arrecadação de impostos ou do endividamento do governo, com a emissão de títulos de dívida. Os títulos geralmente são negociados com o setor privado – essa costuma ser a origem dos recursos que o governo toma emprestado.

Quando economistas falam em imprimir dinheiro, em geral a ideia é financiar o Tesouro pelo Banco Central, em vez de usar recursos privados. Isso significa que o Banco Central irá comprar títulos do Tesouro, que é responsável por administrar os recursos financeiros do governo federal. Com isso, a autoridade monetária do país transfere “dinheiro novo” para o governo, recebendo papéis de dívida como contrapartida. Assim, o governo pode gastar esses recursos, colocando mais dinheiro em circulação e aquecendo a economia.

A questão inflacionária

A prática de “imprimir dinheiro” é polêmica entre economistas. Um dos argumentos contrários a essa prática é que ela pode levar a um aumento geral de preços.

O dinheiro é usado pelas pessoas para comprar mercadorias e serviços. Mesmo que o governo aumente a quantidade de dinheiro em circulação, os bens e serviços do país continuarão os mesmos. O que vai acontecer é que vai faltar riquezas e sobrar moeda. A consequência imediata disso é um aumento nos preços, ou seja, a inflação.

Por meio desse processo, o dobro de dinheiro em circulação vai acabar comprando a mesma quantidade de bens e serviços. O resultado será a desvalorização da moeda.

No passado, o Brasil já optou pela emissão de moeda como forma de financiar gastos públicos. O caso mais famoso de “impressão de dinheiro” é o da construção de Brasília , na década de 1950. A decisão do governo de Juscelino Kubitschek acabou sendo a semente de uma escalada inflacionária que só foi plenamente controlada nos anos 1990, com o Plano Real .

Na pandemia de 2020, muitos economistas rechaçam o risco inflacionário da emissão de moeda. Isso porque a paralisação parcial da economia é um fenômeno completamente novo, que diminui o ritmo da atividade econômica a níveis sem precedentes. Segundo esse argumento, por não se tratar de um contexto normal, o aumento da quantidade de moeda não vai elevar a demanda de uma forma convencional – e sim garantir o mínimo para sobrevivência das pessoas. A emissão de moeda não se traduziria em aumento generalizado dos preços, porque a velocidade de circulação de dinheiro na economia seguiria muito baixa. Mas essa opinião não é um consenso entre economistas.

A questão da taxa de juros

Outro problema apontado por alguns economistas é que emitir moeda pode levar a uma queda na taxa de juros . Isso porque com mais dinheiro circulando, mais dinheiro transitará nos bancos; isso criará um descompasso entre oferta e demanda de dinheiro no mercado interbancário, aquele onde bancos emprestam entre si a prazos curtíssimos. A taxa de juros usada nessas operações é a taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia. Por mais que o Banco Central defina uma meta para a taxa de juros, esse valor não é definitivo – a taxa efetiva depende da atuação do Banco Central no mercado de dinheiro, conforme explicado no vídeo abaixo.

Com mais dinheiro à disposição dos bancos, a tendência é que o preço desses empréstimos interbancários (os juros) caia – levando a uma queda na Selic efetiva. Isso incentiva bancos a direcionarem dinheiro para lugares onde a remuneração é maior que a oferecida pelos títulos públicos, que têm como retorno a Selic. Isso pode levar a um aumento no crédito para empresas e famílias, o que, por sua vez, pode gerar inflação.

Uma forte queda na taxa de juros pode significar o abandono do sistema de metas do Banco Central. A autoridade monetária normalmente define uma meta para taxa básica de juros e atua negociando títulos no mercado para garantir que essa meta seja cumprida. Com a emissão de moeda, o “mercado de dinheiro” sofre um choque que pode levar a um descolamento entre a taxa efetiva e a meta, sinalizando que o governo está abrindo mão dos mecanismos tradicionais de controle inflacionário. Isso porque os juros costumam ser o instrumento mais utilizado pelo governo para tentar controlar a inflação. Em um país com um grave histórico inflacionário , como o Brasil, esse movimento pode ser mal recebido pelos agentes do mercado.

Além disso, com a queda na taxa de juros, o diferencial de remuneração entre títulos públicos brasileiros e de outros países mais ricos cairia. Isso levaria a uma saída de moedas estrangeiras do país, uma vez que os investidores preferirão colocar seu dinheiro em países com menor risco e/ou maior remuneração. Assim, a queda da taxa de juros decorrente da emissão de moeda poderia elevar ainda mais o câmbio , que reflete o preço da moeda estrangeira. Isso, por sua vez, pode atingir o preço de produtos importados ou de bens que são produzidos com insumos comprados no exterior.

Duas análises sobre a emissão de moeda na crise

O Nexo conversou com dois economistas sobre a opção de “imprimir dinheiro” em meio à pandemia.

  • Joelson Sampaio , coordenador do curso de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo
  • Victor Leonardo de Araújo , professor de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense)

Como avalia a ideia de emitir moeda em meio à crise da pandemia?

Joelson Sampaio Eu acho desnecessário no momento. Acho que o governo pode explorar mais o mercado de crédito via dívida. O governo ainda tem essa opção, e vale mais a pena explorar o financiamento via dívida [venda de títulos ao setor privado] do que via emissão de moeda.

Há essa possibilidade, e ela, a princípio, teria menos prejuízo para a economia do que a emissão de moeda. Hoje, ainda temos uma inflação muito baixa e uma atividade econômica muito lenta, mas a gente poderia perder um pouco esses efeitos se a gente partisse de cara para a emissão de moeda. Então, eu ainda exploraria bastante o financiamento via dívida.

Estamos com a taxa de juros muito baixa – acho que ainda há espaço para abaixar ainda mais, sou favorável a uma redução ainda maior da taxa de juros. Então daria para financiar a juros baixos e pagar a dívida depois. O Brasil pode manter essa linha de dívida e aí sim, [pensar em imprimir dinheiro] numa eventual necessidade de pensar num plano B. Não sou necessariamente contra [imprimir dinheiro], mas colocaria como plano B. Não pensaria nisso de imediato.

Victor Leonardo de Araújo Sou a favor. Sou a favor de políticas agressivas do Estado neste momento, para permitir que a economia possa sair do buraco em que ela se encontra. É uma forma de enfrentar não só a pandemia como a crise econômica que está vindo junto. Se você entender que [imprimir dinheiro] é um instrumento que vai dar suporte a esse tipo de política, sim, sou a favor.

Faço uma ressalva sobre a forma como a questão vem sendo colocada. Acho que, na verdade, não existe um dilema entre aumentar o gasto e financiar com emissão de moeda ou com títulos de dívida. Acho que [deve haver] um mix entre essas duas coisas, a partir do momento em que você precisa regular o estoque de moeda da economia e também a taxa de juros. A emissão de títulos públicos vai ser feita para resgatar uma parte dessa base monetária para não perturbar a política da regulação da taxa de juros e da liquidez da economia.

Emitir moeda neste momento irá gerar inflação? Por quê?

Joelson Sampaio Vai, provavelmente. A grande justificativa de quem defende [imprimir dinheiro] é que inflação está num nível muito baixo e a atividade econômica está num nível muito baixo. E que, portanto, haveria espaço para isso. Tudo isso é verdade. Mas acho que o sinal não seria positivo. Acho que ainda temos espaço para usar a dívida em vez da emissão.

Victor Leonardo de Araújo Não, não vai gerar inflação. Fazendo um resgate do debate teórico, a ideia de que a moeda causa inflação pressupõe uma economia aquecida, operando nos limites da capacidade produtiva. E também pressupõe uma economia fechada, porque o excesso de demanda pode ser suprido por importações, dadas as condições das contas externas.

Mas, mesmo nesse modelo que se identifica mais com a chamada ortodoxia econômica, a economia está muito distante do limite da capacidade. Então você não teria nenhum risco inflacionário.


ESTAVA ERRADO :A primeira versão deste texto afirmava que a o controle de quanto dinheiro circula na economia cabe ao Banco Central. Na realidade, apesar de o controle dessa emissão ser responsabilidade do Banco Central, cabe ao Congresso impor limites à emissão de moeda. O texto foi corrigido às 17h05 do dia 18 de maio de 2020.

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