11 pontos-chave para entender a fase atual da corrida por vacinas
Estêvão Bertoni
20 de novembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 12h56)Resultados de testes com possíveis imunizantes contra o novo coronavírus têm criado expectativa na população, mas campanhas de vacinação ainda devem demorar
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Voluntário participa de testes de vacina experimental contra o novo coronavírus na Turquia
No momento em que o mundo enfrenta uma nova onda de casos e mortes pelo novo coronavírus e países voltam a adotar medidas mais duras de restrição de circulação de pessoas na tentativa de conter a transmissão da covi-19, os testes de vacinas contra a doença anunciam resultados promissores.
Laboratórios como a Pfizer e a Moderna divulgaram que seus imunizantes, ainda em testes, obtiveram altas taxas de eficácia. Os dados, porém, ainda precisam passar por análises independentes. Mesmo assim, a Pfizer decidiu pedir na sexta-feira (20) aprovação emergencial para o uso de seu produto nos Estados Unidos.
Estudos publicados na revista Lancet no final de novembro confirmam que a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, ofereceu proteção suficiente contra o vírus nos voluntários que passaram pelas fases iniciais de testes. Outro trabalho mostrou que o imunizante da Universidade de Oxford criou imunidade robusta em pessoas com mais de 70 anos.
Apesar dos avanços, a disponibilização dos imunizantes para toda a população ainda deve demorar. Por isso, as recomendações continuam sendo adotar medidas de distanciamento e isolamento social, manter ambientes bem ventilados, usar máscaras, lavar as mãos com frequência e evitar tocar nos olhos, nariz e boca.
Abaixo, o Nexo traz dez perguntas e respostas sobre a reta final da corrida das vacinas e seus possíveis impactos na pandemia.
As vacinas mais promissoras estão na terceira e última fase de testes em humanos. Quando os testes acabarem, a vacina precisará ainda de aprovação dos órgãos regulatórios de diferentes países. Depois, entrarão nas fases de produção em larga escala e de distribuição. Segundo alguns especialistas, dificilmente o Brasil terá realizado todas essas etapas até a metade de 2021 .
Nessa fase, os voluntários são divididos em dois grupos: os que recebem a vacina experimental e os que tomam uma substância sem efeito. Os pesquisadores então precisam esperar que os voluntários se exponham ao vírus no dia a dia para depois analisar quantas pessoas ficaram doentes em cada um dos grupos. A comparação indica a taxa de eficácia da vacina. A Pfizer começou em julho a testar sua vacina em 43 mil voluntários. Em novembro, anunciou que 170 tinham se infectado com o vírus. Desses, 162 tinha tomado o placebo, e apenas oito, a vacina, em duas doses. Dos oito vacinados, apenas um desenvolveu um quadro grave de covid-19. No grupo placebo, nove pessoas ficaram em estado grave. A eficácia foi de 95% , mas para se chegar ao resultado, foi preciso tempo. Os testes da fase 3 da Coronavac no Brasil, por exemplo, com 13 mil voluntários, poderão ter seus resultados parciais divulgados quando 61 pessoas ficarem doentes , o que ainda não aconteceu. A eficácia poderá ser analisada com 151 doentes.
Até o final de novembro, 54 vacinas contra o novo coronavírus estavam sendo testadas em humanos, das quais 13 na terceira e última fase. As iniciativas se dividem em três principais grupos: as vacinas genéticas, as de vetor viral e as de vírus inativados. No primeiro grupo estão as da Pfizer e da Moderna. Elas utilizam o material genético do coronavírus (RNA mensageiro) envolto numa cápsula de gordura. Uma vez no organismo, esse material entra nas células para produzir uma proteína que estimula os mecanismos de defesa do organismo. As vacinas de vetor viral, como a da Universidade de Oxford, usam um adenovírus que causa resfriado apenas em macacos para carregar os genes do novo coronavírus e também enganar o sistema imunológico. Já as de vírus inativados, como a Coronavac, recorrem ao próprio coronavírus “morto”. Esse modelo é o mais tradicional, usado há mais de 70 anos.
Para que uma vacina possa ser usada no Brasil, ela precisa de aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde. Seu papel é o de garantir que o imunizante seja seguro e comprovadamente eficaz. No caso da vacina da covid-19, os laboratórios precisam iniciar um procedimento de submissão contínua, em que todas as etapas de testes serão acompanhadas e analisadas pela agência. A Anvisa poderá, inclusive, suspender testes caso identifique algum problema, como uma reação adversa em algum dos voluntários. O pedido de registro formal deverá ser submetido ao órgão, que irá analisar se os dados de qualidade são suficientes para garantir a eficácia e a segurança do produto.
No Brasil, o governo federal investiu na vacina da Universidade de Oxford (em parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca), para que ela possa ser produzida pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e também aderiu à Covax Facility, uma aliança da OMS (Organização Mundial de Saúde) que prevê o acesso a uma lista de nove vacinas. A Pfizer afirmou em novembro que também negociava com o governo para disponibilizar sua vacina no país em 2021. Já o governo do estado de São Paulo fechou um acordo com o laboratório chinês Sinovac para produzir o imunizante Coronavac no Instituto Butantan. E a farmacêutica União Química divulgou em outubro um acordo para produzir a vacina russa Sputnik V. Para garantir que o país tenha uma vacina contra a covid-19, os acordos estão sendo firmados mesmo que não se saiba se os imunizantes vão funcionar. Quando houver vacinas disponíveis e acessíveis, a expectativa é que o Ministério da Saúde as incorpore ao Programa Nacional de Imunizações, para distribuí-las gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em todo o país.
Com a urgência da pandemia do novo coronavírus, é bem provável que mais de um imunizante fique pronto ao mesmo tempo. Se mais de uma ficar disponível no Brasil, deve haver uma regulamentação sobre a aplicação das doses e uma orientação para que uma pessoa evite tomar duas vacinas diferentes. Virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o pesquisador Flávio Guimarães da Fonseca disse ao Nexo que as chances de haver uma interação negativa ao tomar um imunizante de um laboratório e depois outra são baixas ou nulas. Mas ele ressalta que as reações do sistema imunológico são muitas vezes imprevisíveis.
A eficácia das vacinas é analisada em estudos clínicos controlados, e os pesquisadores recrutam voluntários de faixas etárias específicas e sem complicações prévias de saúde. No mundo real, porém, onde pessoas convivem com doenças crônicas, os resultados podem ser diferentes. As vacinas também não funcionam por igual com todo mundo. Elas podem proteger mais crianças e jovens do que idosos. Há efeitos adversos que não aparecem nos ensaios clínicos, mas isso é raro de acontecer. Em 1998, por exemplo, o laboratório americano Wyeth lançou uma vacina contra o rotavírus que teve de ser retirada 14 meses depois de ter sido aprovada por causar obstrução intestinal.
A maioria das vacinas testadas contra o novo coronavírus provocou uma resposta imune robusta nos voluntários após a aplicação de duas doses. Os imunizantes da Sinovac e da Universidade de Oxford, que devem ser produzidos no Brasil, deverão ser disponibilizados à população dessa forma. Não se sabe por quanto tempo irá durar a imunidade dessas vacinas. Segundo a OMS, o ideal é que durem pelo menos um ano, mas por conta da gravidade da pandemia, uma proteção de seis meses seria aceita.
O objetivo da vacinação é criar uma imunidade coletiva para barrar a circulação do vírus. Quanto mais gente protegida, maior a dificuldade que a doença tem de ser transmitida. Quanto menor a eficácia de uma vacina, maior a proporção de pessoas que deveriam estar protegidas. Pesquisadores consideram que, no caso do coronavírus, uma imunidade que alcance uma taxa de 60% a 70% de pessoas vacinadas seria suficiente para frear a pandemia.
Há dificuldades de logística e de capacidade de produção não só do imunizante mas dos insumos necessários para a vacinação, como seringas. Em setembro, o diretor-executivo da maior fabricante de vacinas no mundo, a Serum Institute of India, afirmou que a população mundial — ou ao menos 90% dela — só conseguiria ser totalmente vacinada contra o novo coronavírus em 2024. Em agosto, Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Abimo, a associação da indústria de artigos e equipamentos médicos, disse ao jornal Folha de S.Paulo que o Brasil precisaria de, no mínimo, 300 milhões de seringas num prazo de três ou quatro meses para a vacinação. Segundo ele, a produção de apenas 50 milhões de seringas atualmente, no país, leva cerca de cinco meses. Há também dificuldades no armazenamento de alguns imunizantes. A vacina da Pfizer, por exemplo, precisa ser transportada numa temperatura abaixo de -70ºC , o que inviabiliza seu uso na maioria dos países.
Como não haverá vacinas em quantidade suficiente para todo mundo num primeiro momento, o Ministério da Saúde deverá definir grupos prioritários. No caso da gripe sazonal, o OMS divulgou em setembro uma recomendação para que os governos deem prioridade para os idosos e os profissionais de saúde , que estão mais expostos às doenças. A orientação deve ser a mesma para a covid-19. Em outubro, a cientista-chefe da entidade, Soumya Swaminathan, disse que os jovens saudáveis, que são mais resistentes ao novo coronavírus, poderão ter de esperar até 2022 para serem vacinados.
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