Expresso

Como a desinformação apareceu nas eleições de 2020

Isabela Cruz

29 de novembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 23h28)

O 'Nexo' conversou com o sociólogo Marco Aurelio Ruediger sobre ataques à credibilidade do sistema eleitoral, novas estruturas de disseminação de fake news e o histórico do problema no país

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FOTO: MAURICIO SANTANA/GETTY IMAGES SOUTH AMERICA – 26.OUT.2018

Pessoas sentadas mexem em seus celulares

TSE implementou em 2020 Programa de Enfrentamento à Desinformação

Em um cenário menos polarizado do que o das eleições presidenciais e com um engajamento tardio dos eleitores nas campanhas, grande parte da desinformação que envolveu as eleições municipais de 2020 recaiu sobre o próprio sistema eleitoral , especialmente depois do primeiro turno. Ainda assim, os candidatos não deixaram de ser alvos de notícias falsas.

Logo antes do primeiro dia da votação, 15 de novembro, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, afirmou que a circulação de fake news nas campanhas tinha ocorrido num “ nível mínimo ”. Segundo o ministro, parcerias da Justiça Eleitoral com as empresas de redes sociais e agências de checagem contribuíram para isso. As iniciativas fizeram parte do Programa de Enfrentamento à Desinformação, lançado em 2019 pelo tribunal.

Entre as parcerias firmadas, o tribunal e o WhatsApp criaram um canal de denúncias de disparos em massa a favor ou contra candidaturas, algo que marcou a campanha eleitoral de 2018, para a Presidência. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a campanha de Jair Bolsonaro se beneficiou do recurso para a disseminação de notícias falsas contra o PT, num esquema financiado por empresários em caixa dois .

Segundo o WhatsApp, desde o início da campanha, no final de setembro, até o primeiro turno, mais de mil contas do aplicativo foram bloqueadas, por indícios de que estavam efetuando disparos de mensagens em massa.

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contas no WhatsApp foram bloqueadas por indícios de disparos em massa de mensagens; mais de 36% em razão de denúncias

Teorias da conspiração contra o sistema

Antes do primeiro turno, um estudo da DAPP-FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas) sobre o Facebook e o YouTube já mostrava que, consideradas as postagens feitas até a primeira semana de outubro, 2020 já estava em segundo lugar no ranking dos anos com maior volume de publicações de desconfiança no sistema eleitoral, atrás apenas de 2018. Apesar disso, a média de interações em cada postagem foi bem menor do que nas últimas eleições.

No dia da votação, dados de antigos servidores do TSE foram divulgados, o site do tribunal ficou fora do ar por causa de um ataque cibernético e, por uma falha técnica, a totalização dos votos levou duas horas e meia a mais. A sequência dos acontecimentos deu combustível para a disseminação de notícias falsas e acusações sem prova que questionavam a legitimidade dos resultados das urnas. Influenciadores e parlamentares bolsonaristas impulsionaram o alastramento desse tipo de ideia. Na véspera do segundo turno (28), uma operação coordenada da Polícia Federal com a polícia portuguesa prendeu em Portugal um suspeito de envolvimento no ataque hacker.

Na semana seguinte aos ataques, do dia 15 ao dia 22, a agência de checagem Aos Fatos identificou que as mensagens que usam desinformação para questionar a lisura das eleições ganharam força . Segundo o levantamento, elas foram compartilhadas ao menos 303 vezes em 55 grupos de discussão política no WhatsApp monitorados. Desses compartilhamentos, 81% ocorreram em grupos de bolsonaristas e de direita. O restante foi registrado em grupos sem posição política declarada.

A agência também constatou que muitas das mensagens compartilhadas no WhatsApp ecoavam declarações de políticos e influenciadores em outras plataformas, como Twitter, Facebook e YouTube.

As fake news contra os candidatos

Os candidatos também foram alvo da desinformação, especialmente depois do primeiro turno, quando os debates nas redes esquentaram . Até então, em São Paulo, por exemplo, as campanhas de Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL) foram elogiadas por não terem feito da desinformação um grande instrumento de conquista de votos.

Segundo um levantamento da Buzzmonitor, de meados de outubro a meados de novembro, a hashtag mais usada no Twitter foi #LaranjaldoBoulos, explorando uma notícia inverídica contra o candidato do PSOL. O falso escândalo, que atribuía à campanha de Boulos a contratação de empresas fantasmas, foi levantado por Celso Russomanno (Republicanos) durante um debate antes do primeiro turno.

Ao mesmo tempo, o blogueiro Oswaldo Eustáquio transmitiu a mesma notícia em seu canal no YouTube. A Justiça determinou que o vídeo fosse retirado do ar. Eustáquio é investigado no inquérito que corre no Supremo para investigar a articulação de atos contra a democracia.

No Rio de Janeiro, um outro levantamento da DAPP-FGV mostrou que o grupo formado por políticos e influenciadores “alinhados à direita”, alguns deles com ligações ao governo federal, concentrou suas postagens na repercussão do boato de que o PSOLparticiparia do governo de Eduardo Paes (DEM), caso ele vencesse Marcelo Crivella (Republicanos). Paes e PSOL, partido de esquerda que deu apoio crítico” ao candidato, negam que a parceria irá acontecer.

O boato foi disseminado pelo próprio Crivella, que tentou relacionar o PSOL a pedofilia, sem qualquer fundamentação. Na Justiça Eleitoral, o partido garantiu seu direito de resposta , que deverá ser publicada pela conta de Crivella no Facebook. A Procuradoria Eleitoral também denunciou o candidato do Republicanos por difamação eleitoral e propaganda falsa contra Paes.

A trajetória da desinformação eleitoral

Sobre as tendências da desinformação em períodos eleitorais no Brasil, o Nexo conversou com Marco Aurelio Ruediger , sociólogo e diretor da DAPP / FGV.

O problema das campanhas virtuais de desinformação é atualmente um fator a ser considerado em qualquer eleição. Como chegamos até aqui?

Marco Aurelio Ruediger Recuando no tempo, lá pelos idos das jornadas de 2013, 2014, as redes de disseminação já funcionavam, mas não de uma forma tão agressiva. O marketing político passava pela divulgação das ideias, das narrativas, a partir da televisão. A partir de 2017, 2018, o cenário mudou. Começamos a mapear a presença de bots para distorcer o debate político. Isso foi tomando um volume bastante grande. Falei em 2017 que iria acontecer uma tsunami de desinformação em 2018, e foi o que aconteceu.

Nas eleições municipais de 2016, já tinha desinformação rolando. Era algo que partia dos dois campos, da esquerda e da direita. No YouTube, no Facebook, vídeos já eram recortados para tirar falas de contexto e mudar seu sentido. Já era um prenúncio do que viria a acontecer nas eleições [nacionais] seguintes.

Essa tendência se agravou diante de um contexto de grande polarização, com impeachment [da então presidente Dilma Rousseff, em 2016], com os processos da Lava Jato. Foi uma sequência de acontecimentos, e o Brasil se tornou um caldeirão com o fogo na altura máxima. Além disso, as redes sociais roubaram o espaço da mídia tradicional, especialmente do horário eleitoral na televisão. A campanha de desinformação foi brutal.

Desde então, o que foi feito para constranger esse tipo de campanha?

Marco Aurelio Ruediger O que aconteceu nas eleições de 2018 gerou uma reação da sociedade, a edição de legislação, a instauração de CPMI [Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a CPMI das fake news], os posicionamentos de atores políticos importantes, dos ministros do Supremo Tribunal Federal. As próprias plataformas tomaram ações. O WhatsApp melhorou bastante o seu regramento e seus filtros [para bloqueio de disparos em massa]. O Facebook também foi mais atuante. O YouTube foi menos, poderia ter feito mais.

Isso tudo deixou mais claro de onde as coisas surgiam, como elas eram feitas. Há tentativas de responsabilização das pessoas que operavam e continuam operando essas redes até hoje.

É possível dizer de onde partem com mais frequência essas iniciativas de desinformar?

Marco Aurelio Ruediger Todos os campos políticos se valem de desinformação e usam robôs em alguma medida. Em 2018, no entanto, a direita radical realmente apostou nas redes sociais para passar sua mensagem, para informar e desinformar. Teve uma eficácia enorme. Formou-se uma rede de apoiadores, de canais, de influenciadores.

Agora, quem tem falado mais e levantado a suspeição sobre a lisura do processo eleitoral de forma bastante radicalizada é a direita populista do mundo todo. O Brasil não foge à regra. Aqui também é esse o campo diretamente responsável por essa corrosão da estrutura de confiança no processo eleitoral brasileiro.

A desinformação nas eleições de 2020 tem alguma peculiaridade?

Marco Aurelio Ruediger No primeiro turno, o processo de desinformação foi muito forte, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul também. Agora no segundo turno, porém, o nível baixou. O processo de disseminação da desinformação foi mais orgânico, feito por pessoas, e não de forma automatizada, com bots. Continua alto, mas baixou bastante.

De qualquer forma, o mais importante de se notar é que a estratégia mudou, desde 2019 na verdade. Hoje ela é mais sofisticada do que o que se tinha em 2018, e muito mais difícil de ser coibida. A desinformação não acontece por ações sobre uma plataforma majoritariamente, mas por meio de um, onde todas as plataformas ecoam a mesma mensagem, ainda que de formas diferentes.

Em 2018, o WhatsApp foi a ponta de lança de toda uma estrutura de desinformação. Agora, uma narrativa percorre diversas plataformas distintas, para ir capturando o eleitorado e uma militância virtual. Funciona como redes de pesca, que limitam a possibilidade de escape e depois vão ficando cada vez mais apertadas.

Além disso, houve o ataque hacker ao sistema do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e uma forte disseminação de questionamentos às urnas. Quanto às urnas, é um processo que espelha muito o que está acontecendo nos Estados Unidos hoje, com [Donald] Trump. O objetivo é minar as próprias instituições. Quando se desconfiar dos resultados eleitorais, se desconfia, no limite, da lisura da própria alternância de poder. É algo que abre espaço para todo tipo de ação, porque corrói a confiança das pessoas na democracia.

Quanto ao ataque, para mim foi um ensaio para 2022. Eu não acho que as redes de desinformação ou os ataques tenham sido usadas no seu potencial máximo. Foi um teste de resiliência do sistema eleitoral e a criação de um “case” para testar o quanto as pessoas aderem a ideia de que pode não haver lisura nas eleições. Acho que 2022 vai ser extremamente dramático.

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