O avanço de nomes ligados à segurança pública nas prefeituras
Estêvão Bertoni
01 de dezembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 23h29)Policiais e militares elegeram 50 prefeitos no primeiro turno, 39% a mais do que em 2016. Entre as capitais, Vitória será governada por delegado
Policial monitora movimento na praia do Leme, no Rio de Janeiro
As eleições municipais de 2020 foram marcadas por um avanço do número de policiais e militares no comando de prefeituras e também por um movimento em direção ao centro de candidatos originários das forças de segurança pública, embora ainda haja um predomínio da direita no modo como eles se identificam política e ideologicamente.
Ao todo, 50 profissionais de segurança foram escolhidos como prefeitos em todo o país ainda no primeiro turno; em 2016, esse número era de 36. O crescimento entre um pleito e outro foi de quase 39%.
No segundo turno, ocorrido em 57 dos 5.570 municípios, outros dois candidatos da área se saíram vitoriosos: o policial militar reformado Capitão Nelson (Avante), em São Gonçalo (RJ), e o Delegado Pazolini (Republicanos), em Vitória (ES). Em Belém, Aracaju e Fortaleza, dois delegados e um capitão da Polícia Militar ficaram em segundo lugar.
Em relação às câmaras municipais, o número de policiais e militares cresceu levemente em relação às eleições de 2016. Serão 809 vereadores oriundos do setor da segurança nos Legislativos a partir de 2021, contra 793 da legislatura anterior. O crescimento foi de 2%.
7.258
foi o número de policiais militares, civis, rodoviários, bombeiros e de militares que se candidataram nas eleições de 2020
De todos os candidatos da área, cerca de 10% foram eleitos, taxa considerada elevada para uma única categoria profissional, como aponta Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em texto publicado no site da revista piauí, em 16 de novembro.
“Conseguir 10% de sucesso nas candidaturas é um percentual alto para um tipo de carreira específico. Indica que os policiais que enveredam para a política partidária consolidaram um espaço político significativo e que não pode ser visto apenas como fruto do cenário de medo, violência e crime do país”
25.452
policiais e membros das Forças Armadas se candidataram a cargos eletivos entre 2010 e 2020, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
1.860
foram eleitos entre 2010 e 2018
Nas eleições de 2020, o MDB foi o partido que mais elegeu vereadores, proporcionalmente, entre os policiais candidatos — 19,8%. Em seguida, aparecem dois partidos do chamado centrão: PP (18,5%) e PSD (17%).
O resultado reflete uma tendência geral observada nas urnas. Houve crescimento dos partidos que integram o bloco de legendas de centro com perfil fisiológico. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 já haviam captado esse movimento. Nas eleições de 2018, o levantamento havia notado uma explosão de candidatos policiais ou militares que se identificavam com a direita (77,7%) e com a centro-direita (12,3%).
No pleito de 2020, o número de candidatos de direita caiu para 57,5%, enquanto o dos que se consideram de centro-direita subiu para 30,2%.
87,6%
dos candidatos na eleição de 2020 são vinculados a partidos de direita e centro-direita
A pesquisa identificou ainda uma tentativa da esquerda de rivalizar com a centro-direita e a direita na área da segurança. A estratégia, porém, terminou mal-sucedida.
“Partidos de esquerda buscaram lançar alguns candidatos policiais a prefeito e vice-prefeito que gozam de prestígio social em suas cidades, como Rio de Janeiro e/ou Bahia, para fazerem contraponto ao discurso conservador. Mas o que não fica claro é que tais profissionais, por mais bem qualificados e sérios que sejam, não têm vínculos orgânicos e históricos com tais agremiações”, afirma trecho do anuário.
O documento ressalta que a esquerda não vem conseguindo avançar em “propostas capazes de oferecer alternativas” que provoquem “ressonância entre os profissionais da área”.
Há regiões do país onde a presença de integrantes das forças de segurança pública se tornou mais intensa. É o caso do Mato Grosso, que teve 21,5% dos candidatos policiais ou militares eleitos. Apenas em Cuiabá, três policiais militares conquistaram o cargo de vereador.
A taxa também fica acima da média nacional em Alagoas (18,5%), Paraíba (14,7%) e Rio Grande do Norte (14,4%).
Em sentido contrário, o Amazonas foi o estado que menos elegeu candidatos da segurança pública: apenas 3,4% deles se tornaram vereadores. Rio de Janeiro e São Paulo também ficam abaixo da média: 5,4% e 8,2%, respectivamente.
Na capital paulista, porém, entre os quatro vereadores mais votados, dois saíram da Polícia Civil: o Delegado Mário Palumbo (MDB) foi eleito com 118 mil votos. Policial desde 2001, chegou a integrar o GOE (Grupo de Operações Especiais) e o SIE (Setor de Investigações Especiais do Departamento de Narcóticos) e foi supervisor no Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos). Palumbo ficou conhecido por ter participado de um reality show da RedeTV.
Outro eleito com votação expressiva foi Felipe Becari (PSD), que conquistou 98 mil votos. Conhecido como ativista da causa animal, ele tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.
Apesar do desempenho nas urnas dos dois policiais, o número de profissionais da área na Câmara Municipal de São Paulo caiu de três, em 2016, para dois, em 2020.
Em Fortaleza (CE), o candidato José Sarto (PDT), apoiado pela família Gomes, derrotou no segundo turno o deputado federal Capitão Wagner (Pros), que liderou um motim de policiais no estado em 2011. Wagner ficou conhecido após o episódio e se elegeu vereador em 2012, deputado estadual em 2014 e deputado federal em 2018. Durante as eleições de 2020, o capitão tentou esconder o apoio do presidente Jair Bolsonaro.
Apesar de o Ceará ter sido palco de um novo motim de PMs em fevereiro, apenas 9,4% dos candidatos da segurança pública se elegeram no estado. Em Sobral, onde o senador Cid Gomes (PDT) foi baleado no conflito com os amotinados, nenhum policial foi eleito.
Para discutir as implicações do avanço dos policiais e militares sobre as prefeituras do país, o Nexo conversou com o professor de sociologia da UnB (Universidade de Brasília) Arthur Trindade Maranhão Costa, que é também conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
ARTHUR TRINDADE No geral, a questão não apareceu muito. Não foi um tema central e normalmente não é em eleição municipal, apesar de ser um tema discutido. Eventualmente os candidatos mencionam segurança pública prometendo aumentar o efetivo da guarda municipal e fazer uma ou outra coisa. Desta vez, falou-se muito pouco disso. Nas grandes cidades, as propostas para melhorar a segurança eram muito vazias e nem foram muito enfatizadas. O tema entrou tangencialmente de carona quando se falou da pandemia, de lockdown. O eleitorado consegue distinguir perfeitamente esses níveis de governo e sabe que prefeito não tem muito a ver com Polícia Militar e Civil.
Vereador, do ponto de vista do interesse corporativo e sindical, não tem muito a acrescentar para a vida do policial. O prefeito não pode propor salário, dar adicional, não pode fazer nada. Então, o tema não foi forte, a despeito do aumento tanto de vereadores eleitos quanto de prefeitos. Alguns poucos lugares usaram essa questão de segurança pública como bandeira bem-sucedida. Eu diria em dois casos que acompanhei: em Pelotas e Niterói, onde os prefeito acionaram um discurso de que fizeram muita coisa na área da segurança. Mas são exceções. Mesmo entre os policiais que se candidataram, o discurso de segurança não era muito forte. O candidato em Fortaleza [Capitão Wagner] tentou esconder o Bolsonaro e a pauta dele não era de “lei e ordem”. Em Vitória, foi o contrário, ele [Delegado Pazolini] ganhou fama porque invadiu um hospital para mostrar que tinha leito vazio [em junho de 2020, após pedido de Bolsonaro para que apoiadores entrassem em hospitais e mostrassem leitos vazios].
ARTHUR TRINDADE Acho que a tendência de ter um grande número de candidatos policiais vai se manter. Ela vem crescendo a cada eleição. É razoável pensar que vai continuar em 2022. Mas será que vai ter sucesso? Eles tiveram sucesso em 2020 em parte alavancados por Bolsonaro. Vai depender das condições em que o Bolsonaro chegar daqui a dois anos. Essa turma pode até pegar carona no sucesso político do presidente, mas tem luz própria. Eles não vivem debaixo da luz do Bolsonaro. Quantas lideranças estaduais não têm origem nas polícias? O Major Olímpio, por exemplo, que inclusive é rompido com o governo Bolsonaro. Acho que vai se manter a tendência, os policiais vão eleger muita gente e vai depender do sucesso do Bolsonaro para eleger muito mais gente. E, se não estiver bem, vão eleger mesmo assim.
Os policiais deputados sempre foram do centrão, nunca dessa direita extremista. Com o advento do Bolsonaro, foram com ele, mas sempre estiveram nesses partidos mais “pastosos” e, diga-se de passagem, é razoável a participação, não muito grande, de partidos de esquerda. Eles estão presentes na esquerda também. A gente tem que olhar os parlamentares eleitos não só pela ótica da oferta, dos candidatos, mas também pela da demanda, dos votantes. Eles têm eleitorado próprio, navegam num grupo eleitoral forte. Em São Paulo, deve ter uns 400 mil policiais na ativa e na reserva — se multiplicar por quatro ou cinco membros da família, dá 2 milhões de pessoas que vão votar na “família policial”. Porque a pauta deles é fortalecer o sistema de saúde da polícia, oferecer uma carreira melhor. Quando eles se organizam direito, conseguem eleger dois, três deputados. O problema é quando não se organizam, lançam cinco candidatos que dispersam votos. A força política deles não vem do discurso apenas, eles têm esse eleitorado cativo. Além do eleitorado, se tem um discurso que está forte naquele momento, que é o da lei e ordem, eles vão melhor ainda. Mas mesmo quando está em baixa, vão bem. Podem até se eleger com os votos da esquerda.
ARTHUR TRINDADE A esquerda está com muita dificuldade de propor coisas na área de segurança. Ela tem dificuldade de falar de alguns temas que são tabus, como punição e prisão. É bem verdade que o Brasil tem uma população prisional muito grande e que a gente prende muita gente que não precisava ir presa ou cumprir pena de reclusão. Mas também é verdade que muita gente que deveria ser presa, seja por corrupção ou crimes violentos, como homicídio, não está sendo. A direita tem uma facilidade enorme de fazer o discurso fácil da lei e da ordem. “Eu prendo e arrebento, vou mandar bater em todo mundo e atirar na cabeça e acabou o crime.” Isso é um discurso populista que um líder de direita mais radical não tem dificuldade nenhuma de falar. Já candidato de esquerda vai falar de uma segurança pública inteligente.
Uma coisa curiosa: se olhar no Brasil de hoje, tem bons exemplos de políticas estaduais de segurança pública bem-sucedidas. Tem uma porção de exemplos: tem a de Pernambuco, que foi um sucesso, mas acabou descontinuada; e a do Espírito Santo, que é um sucesso até hoje. O PSB tem muitos programas desses, mas não soube capitalizar enquanto ganho político. Eles não sabem usar: “A gente tem esse programa”. Eles nem percebem que têm. De um lado, no discurso, os candidatos de esquerda e de centro têm dificuldade de falar, mas na prática têm bons exemplos. Tem cidades bem-sucedidas. Talvez, a ressaca de 2018 que a gente está vendo agora – quando muita gente nova sem nenhuma garantia se elegeu, como o Wilson Witzel (RJ), com o discurso de atirar na cabecinha – previna esse discurso fácil de lei e ordem em 2022.
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