Como o ‘maior protesto do mundo’ pressiona o governo da Índia
João Paulo Charleaux
11 de dezembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h01)Mais de 250 milhões de trabalhadores paralisaram suas atividades em solidariedade a agricultores. Manifestantes foram recebidos pelo primeiro-ministro e permanecem acampados na capital
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Agricultores se reúnem em protesto nos arredores de Nova Déli
A Índia foi palco no mês de novembro de 2020 do que vem sendo chamado de “ maior protesto da história da humanidade”. No dia 26 daquele mês, mais de 250 milhões de indianos fizeram greve em solidariedade aos agricultores do país que protestavam contra uma mudança legislativa no setor. O número foi estimado pelos organizadores das manifestações.
Ao mesmo tempo, centenas de milhares de agricultores marcharam de várias partes do país à capital, Nova Déli. O primeiro-ministro Narendra Modi se dispôs a receber os manifestantes, numa atitude diferente da que havia tomado na véspera, quando enviou tropa de choque para confrontar quem chegava pelas estradas de acesso à capital. Foi a primeira vez em seis anos que o governo indiano mostrou essa abertura a um grupo contestatório.
A Índia tem 1,3 bilhão de habitantes e mais da metade da sua força de trabalho está no campo. O modelo prevalecente é o que se chama agricultura familiar no Brasil. As propriedades são pequenas e a mão-de-obra é dos membros da própria família, com baixa mecanização. Muitas vezes, a produção é quase de subsistência, com venda de excedentes reduzidos.
Apesar da importância social e econômica da atividade rural, os sucessivos governos indianos, assim como a antiga potência colonial britânica, que administrou o país de 1858 a 1947, mantiveram em grande medida uma abordagem feudal para o setor, assumindo a pobreza como parte do sistema de castas que vigora na Índia.
Essa abordagem relegou os agricultores à precariedade econômica, à medida que ofereceu pouca ou nenhuma cobertura governamental para eventos naturais destrutivos, como secas ou chuvas em excesso, ou mesmo dificuldades na obtenção de assistência técnica e linhas de financiamento.
Em setembro, o governo Modi encaminhou ao Legislativo três projetos de lei para desonerar o setor e incentivar a venda dos produtos da agricultura familiar a grandes corporações agrícolas privadas.
As medidas eram parte da agenda política de Modi e de seu partido, Bharatiya Janata. Eles defendem uma agenda de desregulamentação do mercado e de desoneração como forma de dinamizar a economia, o que ganhou ainda mais força durante a pandemia do novo coronavírus.
Entre as barreiras derrubadas pelo governo, havia normas de fixação do preço mínimo para os produtos e também o acesso regulado a pontos de venda direta para os pequenos produtores. As mudanças introduzidas tiraram esses mecanismos de proteção aos agricultores e, embora tenham aumentado a possibilidade de venda a grandes cadeias de empresas intermediárias, reduziram o acesso direto ao mercado final por parte dos produtores familiares.
Esse processo não foi iniciado por Modi. Ele vem desde os anos 1990. Entretanto, as dificuldades econômicas provocadas pela pandemia na Índia aceleraram as mudanças, que passaram a ser apresentadas como uma forma de amenizar as perdas provocadas pelo maior confinamento sanitário do planeta no primeiro semestre.
Os agricultores mantêm a mobilização nos arredores de Nova Déli em dezembro, mesmo depois de o governo Modi ter dito que está aberto a negociar. A adesão de 250 milhões de simpatizantes, que paralisaram suas atividades em solidariedade aos pequenos produtores, ajuda a manter a as reivindicações do movimento, que diz que não pretende recuar até que os três projetos de lei sejam completamente derrubados.
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