Vacinação contra a covid-19: um desafio para os novos prefeitos
Isabela Cruz
02 de janeiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h52)Políticos tomam posse em meio a agravamento da crise sanitária e planos incertos de imunização nacionalmente. Prefeituras atuam na ponta do processo
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Em 1º de janeiro de 2021, prefeitos com os mais variados projetos de governo tomaram posse com um desafio em comum: promover as campanhas de vacinação contra a covid-19.
Desde meados de novembro, o país registra aumento do número de casos de infecção e de mortes, em um novo ciclo de agravamento da pandemia no Brasil. Especialistas em saúde pública preveem um cenário ainda pior para janeiro de 2021 , considerado o risco de espalhamento do vírus nas festas e viagens de final de ano que têm ocorrido em território nacional.
Alguns prefeitos trataram do tema da vacinação nos seus discursos de posse.
“As vacinas vão chegar e a nossa cidade está pronta para vacinar em massa”
“Temos de promover a retomada das aulas presenciais e garantir a vacinação da população. Não há tempo nem espaço para o negacionismo, que despreza a ciência”
“A nossa primeira grande prioridade será a imunização da população. Lutaremos dia e noite, de forma ativa, pela vacina”
“Essa questão da vacina é fundamental, mas se o governo federal, que eu acredito que irá comprar a vacina, deixar passar uma vírgula para não comprar, nós vamos fazer um consórcio com as cidades da região metropolitana e vamos comprar”
Em Goiânia, o prefeito eleito Maguito Vilela (MDB), tomou posse na UTI (unidade de tratamento intensivo) do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele está internado há dois meses, desde antes das eleições, por complicações decorrentes da covid-19.
Pela Constituição Federal, a responsabilidade por assuntos de saúde é compartilhada pela União, pelos estados e pelos municípios. No âmbito da vacinação, a legislação federal atribui ao Ministério da Saúde a responsabilidade de definir o PNI (Programa Nacional de Imunizações) e de comprar as vacinas que nele constarem.
A responsabilidade das prefeituras , por sua vez, é manter as equipes das unidades básicas de saúde capacitadas, bem como prover materiais e infraestrutura de armazenamento e de administração das vacinas à população. Apesar de ser algo menos comum, a lei não proíbe que gestões municipais comprem vacinas também, como foi garantido pelo Supremo Tribunal Federal.
Em debate virtual promovido pelo Senado, no dia 21 de dezembro, o presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), Willames Freire Bezerra, disse que “se a chegada da vacina for antecipada, os municípios estarão preparados”.
Até o momento, o Brasil, com quase 212 milhões de habitantes, está longe de poder garantir uma vacinação em massa. Pressionado por governadores e prefeitos, o Ministério da Saúde encomendou, por enquanto, aproximadamente 200 milhões de doses da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que trabalha em parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca. Metade deve ser entregue até julho de 2021, e a outra metade, ao longo do segundo semestre. A imunização contra a covid-19 costuma exigir a aplicação de duas doses de vacina.
Por meio da aliança internacional Covax Facility, o país também irá receber mais 42,5 milhões de doses de imunizantes, ainda sem prazo definido de entrega. Outras negociações estão sendo feitas, incluindo possíveis contratos com a Pfizer e com o Instituto Butantan, que trabalha em parceria com o laboratório chinês Sinovac. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda não recebeu nenhum pedido de registro ou de autorização para uso emergencial.
Segundo o “Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”, divulgado em meados de dezembro de 2020, o governo federal garante a distribuição para os estados das vacinas devidamente aprovadas em até cinco dias depois da liberação pelo Ministério da Saúde. A depender do destino, a logística inclui o uso de transporte rodoviário ou aéreo.
Depois, será dever dos governos estaduais distribuir as doses aos municípios, responsáveis pelo funcionamento dos postos de vacinação. Para essa etapa, o plano nacional fala em “prazo variável”, a depender das capacidades de cada governo. O intervalo de tempo entre a primeira e a segunda dose é prescrito por cada laboratório, mas gira em torno de quatro semanas.
Segundo o plano nacional, os planos estaduais e municipais de imunização devem seguir as diretrizes nacionais e abarcar aspectos como:
Em contextos normais, sem pandemia, o Programa Nacional de Imunizações organizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde) realiza a distribuição de aproximadamente 47 tipos de vacinas anualmente, por municípios de todo o território nacional. No geral, são campanhas voltadas para públicos específicos, como crianças ou idosos.
300 milhões
de doses de vacinas são distribuídas anualmente pelo SUS
Já instalada no país, a Rede de Frio do programa, infraestrutura que garante a refrigeração adequada dos imunizantes, desde a compra dos laboratórios até a aplicação na população, conta com centrais de distribuição regionais, estaduais e municipais, além da central nacional, dezenas de centros de referência para imunizantes especiais e milhares de pontos de vacinação.
3,3 mil
é o número aproximado de centrais municipais de distribuição
38 mil
é o número de salas de imunização nos municípios brasileiros, que podem se expandir para 50 mil em períodos de campanhas
Essa rede servirá também para a vacinação contra a covid-19. “O PNI [Programa Nacional de Imunizações] é um patrimônio do Brasil e sua experiência já consolidada na realização de campanhas de grande porte e seu forte vigor técnico são um importante trunfo para atender a este desafio”, afirmaram o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), em nota conjunta publicada no início de dezembro de 2020.
Diante da situação emergencial e do fato de que a pandemia atingir a população como um todo, algumas cidades terão a infraestrutura destinada à vacinação expandida.
Em Guarulhos (SP), o Centro de Distribuição Logístico da empresa contratada pelo Ministério da Saúde para os serviços de armazenagem e transporte de insumos estratégicos, a VTC-LOG, está sendo expandido em 30% de sua capacidade. Em Brasília, no Rio de Janeiro e em Recife, outros três centros de distribuição da empresa estão sendo equipados com câmaras refrigeradas para o armazenamento das vacinas. A previsão é de que tudo fique pronto em fevereiro de 2021.
As cidades de Recife, Salvador e Fortaleza também terão polos para receberem as doses distribuídas por meio de aviões. As companhias aéreas Azul, Gol, Latam e Voepass se comprometeram com o transporte gratuito da vacina contra a covid-19.
Quanto à capacitação dos profissionais do SUS que atuarão na campanha de vacinação contra a covid-19, o Ministério da Saúde afirma que está estruturando um convênio com o Conasems, o conselho das pastas municipais de Saúde, para a difusão de cursos de ensino a distância.
Segundo o plano de vacinação do Ministério, a Fiocruz fará o curso “Vacinação para covid-19: protocolos e procedimentos”. As aulas terão acesso público e gratuito na plataforma da fundação.
Normalmente, a aquisição dos insumos para a realização das vacinações fica a cargo dos estados e municípios. Mas o governo federal anunciou que vai comprar 331 milhões de seringas e agulhas para a campanha contra a covid-19. A princípio, o Ministério da Saúde, comandado pelo general da ativa Eduardo Pazuello, estimou para a iniciativa um custo de R$ 80,5 milhões.
A Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), também deve prover ao país 40 milhões de seringas e agulhas em março de 2021.
A licitação para a compra federal, porém, só foi aberta em meados de dezembro. Feito na terça-feira (29), o pregão conseguiu o fornecimento de apenas 2,4% da quantidade necessária , porque o preço cobrado pelas empresas ficou acima do valor estimado pelos técnicos do governo. Os pregões realizados pelo governo do estado de São Paulo, de João Doria (PSDB), também encontraram dificuldade , mas já garantiram 71% do planejado .
7,9 milhões
de seringas e agulhas foram negociadas no pregão realizado no dia 29 de dezembro pelo governo federal. Eram esperadas 331 milhões de unidades
As três fabricantes nacionais de seringas e agulhas já tinham se reunido com o governo federal em agosto para tratar do tema, mas depois disso nada mais havia acontecido , segundo o presidente da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios), Paulo Henrique Fraccaro, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Ainda segundo Fraccaro, a quantidade de seringas e agulhas solicitada demoraria sete meses para ser fabricada no Brasil.
Em meados de dezembro, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, garantiu em decisão liminar (provisória) que as prefeituras, assim como os governos estaduais e do Distrito Federal, podem “importar e distribuir” vacinas que tenham sido registradas por pelo menos uma de quatro autoridades sanitárias estrangeiras (americana, europeia, chinesa ou japonesa), sem necessidade de registro na Anvisa, se a campanha de imunização do governo federal não for suficiente.
Essa possibilidade foi prevista em lei federal aprovada em fevereiro de 2020. A decisão também reconhece como válido o trecho da mesma lei segundo o qual a importação deverá ser autorizada pela Anvisa em até 72 horas após a submissão do pedido. Se a agência não se manifestar nesse prazo, a autorização é automática.
A decisão já está valendo, mas ainda passará pelo plenário, para ser confirmada ou não. Em outro caso, o ministro Gilmar Mendes já afirmou concordar com Lewandowski. Gilmar defendeu, inclusive, que o registro estrangeiro pode ser definitivo ou temporário.
A FNP (Frente Nacional de Prefeitos), representada pelo prefeito de Campinas (SP), Jonas Donizette, assinou no dia 22 de dezembro um protocolo de intenções com o Instituto Butantan, de São Paulo. O documento é uma manifestação de interesse na aquisição de doses da Coronavac, a vacina que o instituto testou e se prepara para produzir.
Dias antes, o Ministério da Saúde alterou seu plano de vacinação e passou a incluir a Coronavac na estratégia nacional. A colaboração entre o governo federal e o governo paulista, porém, aparece como ponto excepcional num contexto duradouro de rivalidade política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Em outubro, Bolsonaro exigiu o cancelamento do protocolo em que o ministro da Saúde manifestava a intenção de adquirir a vacina do Butantan. Depois, o presidente comemorou a suspensão dos testes do produto que a Anvisa determinou em novembro.
De acordo com a frente dos prefeitos, o contrato direto com o Butantan servirá como alternativa ao plano do governo federal, facilitando às médias e grandes cidades a aquisição da vacina.
“O nosso objetivo não é competir com o programa anunciado pelo Ministério da Saúde, é tentar garantir à população que a vacina vai chegar o quanto antes possível. Não há tempo a perder”
No início de dezembro, o Butantan já havia recebido pedidos de 276 cidades e 11 estados interessados na Coronavac. Depois de diversos adiamentos na divulgação dos resultados referentes à última fase de testes do imunizante, o instituto ainda não pediu o registro do produto à Anvisa. Doria pretende que a campanha de vacinação de São Paulo comece dia 25 de janeiro.
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