Como os irmãos Miranda põem o líder do governo sob suspeita
Fernanda Boldrin
26 de junho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h12)Em depoimento à CPI, deputado diz que Ricardo Barros foi citado por Bolsonaro ao ser informado de supostas irregularidades na compra de vacina indiana. Senadores falam em prevaricação do presidente
O presidente Jair Bolsonaro e o deputado Ricardo Barros em café da manhã
O deputado Luís Claudio Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luís Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério de Saúde, depuseram nesta sexta-feira (25) à CPI da Covid para esclarecer denúncias de irregularidades em torno da compra da vacina Covaxin pelo governo federal. Os relatos apresentados aos senadores puseram o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, no centro da investigação parlamentar.
Luis Miranda também complicou ainda mais a situação de Jair Bolsonaro ao dizer que o presidente citou Barros como responsável por possíveis irregularidades envolvendo a compra do imunizante, na negociação mais cara e mais rápida da gestão federal na pandemia.
Neste texto, o Nexo explica as suspeitas levantadas durante o depoimento e como elas chegaram ao líder do governo.
O contrato do governo federal para compra da Covaxin levantou uma série de questionamentos, que vieram a público sobretudo a partir de meados de junho. Há suspeita de favorecimento envolvendo a aquisição do imunizante. O caso, que é alvo de investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, entrou também na mira da CPI da Covid, e coloca o governo sob pressão.
Entre as operações do governo para adquirir imunizantes contra a covid-19, o contrato com a farmacêutica indiana Bharat Biotech pela compra da Covaxin foi aquele fechado de forma mais ágil. Foi também a Covaxin o imunizante mais caro adquirido pelo governo, considerando o preço por unidade. Além disso, a compra da Covaxin foi a única que teve intermédio de um agente privado, no caso, a Precisa Medicamentos. Todas as outras negociações para compra de vacinas foram feitas diretamente entre o governo e os respectivos laboratórios.
À CPI, os irmãos Miranda reiteraram denúncias sobre supostas irregularidades envolvendo a aquisição da vacina. O servidor Luis Ricardo Miranda disse ter sofrido “pressão atípica” para agilizar a importação do imunizante. Os irmãos relataram ter levado essas suspeitas pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro em 20 de março.
Na ocasião, segundo depoimento do deputado Luis Claudio Miranda, o presidente citou o nome do deputado Ricardo Barros como sendo alguém com ligação com as supostas irregularidades.
A revelação veio só no final do depoimento. De início, Miranda resistiu a falar o nome do líder do governo na Câmara. Citou que o presidente disse: “ isso é coisa de fulano ”. Mas afirmou que não se lembrava quem seria a pessoa. Foi questionado em diversas oportunidades pelos senadores sobre o tema. Acabou por confirmar o nome de Barros quando estava sendo questionado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS). Ele chorou ao fazer isso.
“Foi o Ricardo Barros que o presidente falou, foi o Ricardo Barros, eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que vou passar”
Os senadores reagiram com gravidade. A senadora ELiziane Gama (Cidadania-MA) disse que a menção a Barros confirma que o presidente Jair Bolsonaro sabia de possíveis irregularidades e não agiu. Ela avaliou que o caso se enquadra como prevaricação . Trata-se do crime de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, conforme o código penal.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que “estamos diante do maior esquema de corrupção da história da República”. Após a sessão, a cúpula da CPI indicou que pretende informar o Supremo sobre crime de prevaricação.
“Eu acho que vou ter que pedir desculpas a Collor por ter ido às ruas porque estava sendo discutido ali um Fiat Elba”, disse Simone Tebet, em referência ao caso que precipitou a queda do ex-presidente Fernando Collor.
Ricardo Barros foi ministro da Saúde de 2016 a 2018, durante o governo Michel Temer, e é um dos principais articuladores do centrão. Ele é investigado por improbidade administrativa relacionada ao período em que chefiou a pasta. Na época, o Ministério da Saúde contratou remédios de alto custo da Global Saúde, destinados ao tratamento de doenças raras, mas que nunca foram entregues.
O prejuízo aos cofres públicos foi estimado em R$ 20 milhões – ainda não ressarcidos, conforme o Ministério Público. Notícias da época indicavam a morte de ao menos 14 pacientes pelo desabastecimento dos medicamentos.
A Global Saúde tem como sócio Francisco Maximiano. Ele também é sócio da Precisa Medicamentos, a empresa brasileira que intermediou o contrato da Covaxin, e tem depoimento marcado para o dia 1º de julho na CPI.
Tanto a Global Saúde como a Precisa Medicamentos têm um histórico de contratos contestados. A Precisa já era alvo de investigação anterior, no âmbito da Operação Falso Negativo, que apura a compra superfaturada de testes de covid-19 no Distrito Federal.
Os senadores da CPI da Covid questionam por que foi escolhida uma empresa com esse histórico para intermediar a compra da Covaxin. “Que Ministério da Saúde é esse que aceita, como intermediário, para compra de vacina, uma empresa que já tinha dado um golpe no Ministério da Saúde?”, perguntou o senador Humberto Costa (PT-PE).
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), questionou o servidor Luis Ricardo Miranda sobre o tema. Ele confirmou que a área técnica de importação do ministério – que é comandada por ele – também estranhou a escolha.
O nome de Ricardo Barros também foi citado quando o servidor Luis Ricardo Miranda relatou a cronologia de faturas que foram enviadas à sua área relativas à aquisição da Covaxin, que tinham diversas inconsistências em relação ao que estava previsto no contrato.
O Ministério da Saúde assinou o contrato de aquisição da Covaxin em 25 de fevereiro. Segundo a pasta, o acordo foi assinado “junto à Precisa Medicamentos/ Bharat Biotech”. O documento previa a entrega de 20 milhões de doses da vacina a um custo total de cerca de R$ 1,6 bilhão. A entrega dos imunizantes deveria ocorrer de forma escalonada até maio. Elas não chegaram.
Miranda afirmou ter recebido notas fiscais com vários pontos que divergiam do contrato. Havia, por exemplo, pedido de pagamento antecipado, algo que não era previsto. Também havia divergência no quantitativo de doses, no preço unitário (com valor do frete) e no nome da empresa, que não aparecia como Precisa Medicamentos, mas sim como Madison Biotech – que os senadores do grupo majoritário avaliam ser uma empresa de fachada. Já os senadores governistas apontaram que se trata de uma subsidiária da Bharat Biotech.
Miranda afirmou que, depois que constatou os erros, alguns deles foram corrigidos. Mas não todos. Segundo ele, o quantitativo de doses relativo à primeira remessa (de 3 milhões) divergia do previsto em contrato (4 milhões), e o nome da empresa continuou diferente. Mas ele afirma ter tido aval da fiscal do contrato para seguir adiante. O nome da fiscal do contrato, segundo ele informou, é Regina Celia Silva Oliveira. O Senador Randolfe Rodrigues afirmou na comissão que ela foi indicada para o cargo por Ricardo Barros.
Os senadores também lembraram que Barros é autor de uma emenda a uma medida provisória de janeiro de 2021 que ajudou na aquisição da Covaxin, conforme mostrou o jornal O Globo.
A medida provisória foi aprovada pelo Congresso, e permite que a Anvisa conceda autorização excepcional e temporária para importação, distribuição e uso de vacinas mesmo que haja apenas resultados provisórios dos estudos clínicos, desde que sejam consideradas essenciais para enfrentar a pandemia e tenham registro em determinadas autoridades sanitárias estrangeiras, como a FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos.
Na tramitação da medida provisória, a emenda de autoria de Barros inseriu nessa lista a CDSCO (Central Drugs Standard Control Organization), da Índia. Em plenário, ele chegou a dizer que queria mais agilidade para que a Anvisa aprovasse vacinas como a Covaxin. Ao jornal O Globo o deputado afirmou que “a Índia é uma das maiores produtoras de insumos de medicamentos e vacinas no mundo” e que outras agências também foram incluídas no texto da medida provisória.
O líder do governo nega ser o deputado citado por Jair Bolsonaro na ocasião. “Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse parlamentar citado. A investigação provará isso”, escreveu ele nas redes sociais. “Também não é verdade que eu tenha indicado a servidora Regina Célia como informou o senador Randolfe. Não tenho relação com esse fatos.”
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