Como a COP26 testa as pretensões ambientais da China
João Paulo Charleaux
05 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h30)Maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, gigante asiático faz promessas de redução no longo prazo, mas sofre críticas dos rivais americanos por ausência na conferência do clima
Homem faz exercícios durante a manhã em frente a fábricas chinesas
A China é o país que mais emite CO2 no mundo, mas é também o líder global em geração de energia solar e eólica, e pretende se tornar uma potência verde nos próximos anos. Se vencer o desafio de equilibrar crescimento acelerado e preservação ambiental, o gigante asiático avançaria ainda mais em sua pretensão manifesta de rivalizar com os EUA como maior potência do mundo no século 21.
A ambição chinesa esbarra, no entanto, em fatores internos e internacionais, que, ao mesmo tempo que podem colocar o país numa posição de vanguarda ambiental, ameaçam o ritmo de crescimento gerado por um modelo que é, em grande medida, adversário natural do clima por depender da realização de grandes obras de infraestrutura e do consumo de grandes quantidades de combustíveis fósseis.
Neste texto, o Nexo mostra as três principais metas ambientais da China, e como os EUA, maior potência rival, reagem às declarações e posturas de Pequim na área ambiental.
A China é um país superlativo em todas as dimensões: é o mais populoso (tem 18,5% da população mundial), o terceiro mais extenso e possui a segunda maior economia. Essa escala de grandeza também está presente na questão ambiental – o país consegue ser, ao mesmo tempo, o que mais emite gases do efeito estufa e o que mais produz energia limpa a partir da energia solar e eólica.
O desafio é virar essa balança, deixando em segundo lugar os combustíveis fósseis e aumentando cada vez mais o uso de fontes renováveis, não apenas dentro do território chinês, mas também nas milhares de obras que a China faz e financia ao redor do mundo, em seu ambicioso programa batizado de “ nova Rota da Seda ”. Para isso, o governo chinês anunciou a adoção de três compromissos.
Neutralidade de carbono
O presidente chinês, Xi Jinping, diz que as emissões de CO2 no país devem atingir um pico até 2030. A partir daí, devem começar a cair, à medida que a matriz energética é substituída. A expectativa é de que a meta de neutralidade de carbono seja atingida até 2060. A Índia, por exemplo, que tem a segunda maior população do mundo, anunciou que alcançará essa meta só em 2070 . EUA e União Europeia, antes: em 2050.
Obras no exterior
O governo chinês expande sua presença e influência o mundo por meio de uma série de obras ambiciosas realizadas principalmente em países em desenvolvimento. O país vinha sendo criticado por aumentar as metas ambientais internamente, mas sem impor o mesmo critério externamente. O governo reagiu anunciando que pretende deixar de financiar novas usinas termelétricas no exterior, que são as mais poluentes.
Uso de carvão
Atualmente, 60% das usinas geradoras de energia da China são movidas a carvão. O país anunciou que, a partir de 2026 , quer começar a desligar essas usinas. Esse tipo de combustível fóssil é especialmente nocivo ao meio ambiente, mas é conveniente economicamente, quando comparado ao investimento necessário para diversificar a matriz num primeiro momento. Apesar da meta, o país não aderiu a um acordo global firmado durante a COP26 na quinta-feira (4) para eliminar o uso de carvão como fonte de energia.
As medidas não são novas. O governo chinês apenas reafirmou esses planos e compromissos durante a COP26 , a conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, realizada em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro de 2021.
23,9%
é o percentual das emissões mundiais de gases do efeito estufa atribuído à China
13,6%
é o percentual das emissões mundiais de gases do efeito estufa atribuído aos EUA
Alguns analistas do tema ouvidos pela imprensa britânica veem na política ambiental chinesa uma forma de fazer “ concessões ” às exigências de adaptação ambiental, respondendo à pressão internacional, sem, no entanto, colocar em risco as próprias ambições de crescimento.
Em resposta, o governo chinês diz que faz promessas realistas e factíveis, capazes de serem cumpridas no prazo determinado, em vez de ceder à tentação de alardear promessas vazias, cujo cumprimento é questionável.
Como em muitas áreas (política, militar, econômica), o meio ambiente e as mudanças climáticas também opõem americanos e chineses, num embate verbal que molda a relação entre os donos dos dois maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do mundo.
Xi Jinping não foi à COP26, em Glasgow. O presidente chinês não sai da China desde janeiro de 2020, por causa da pandemia da covid-19. Mesmo assim, o presidente americano, Joe Biden, acusou Xi Jinping e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de terem “virado as costas para a crise climática”. Putin enviou sua participação em vídeo. Xi Jinping enviou apenas uma carta.
O presidente dos EUA, Joe Biden, faz pronunciamento na Casa Branca
“Acredito ter sido um grande erro, francamente, a China não estar presente. É um tema gigantesco e eles viraram as costas. Como podem fazer isso e argumentar terem alguma posição de liderança?”, provocou o presidente americano.
A militância ambiental presente no discurso de Biden contrasta também com a guinada que ele imprimiu nas posições americanas desde que assumiu a Casa Branca , em janeiro de 2021. O antecessor dele, o republicano Donald Trump, notabilizou-se pelas declarações negacionistas no campo ambiental e por ter retirado os EUA do acordo do clima, o Acordo de Paris, no qual Biden recolocou os americanos recentemente.
Em relação às provocações internacionais, a resposta chinesa veio mais tarde, por meio do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin: “O que precisamos para lidar com a mudança climática é uma ação concreta, em vez de palavras vazias . As ações da China em resposta às mudanças climáticas são reais.”
Do lado russo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou, em resposta a Biden: “Certamente, não estamos minimizando a importância do evento em Glasgow, mas as ações da Rússia são consistentes, ponderadas e sérias .” A Rússia é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.
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