Como prevenir maus-tratos e violência contra crianças
Cesar Gaglioni
07 de dezembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h33)Brasil registra milhares de casos anualmente. Para especialistas no tema, enfrentamento exige envolvimento de toda a sociedade e começa pela educação e informação
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Milhares de casos de violência contra a criança são registrados no Brasil anualmente
Entre 2019 e o primeiro semestre de 2021, foram registrados 129 mil casos de violência contra crianças e adolescentes no Brasil, considerando os crimes de estupro, exploração sexual, mortes violentas intencionais, maus-tratos e lesão corporal doméstica. Os dados são de um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e foram obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Neste texto, o Nexo faz um breve panorama desse tipo de violência no Brasil, lista quais as boas práticas na prevenção aos maus-tratos e conversa com especialistas sobre o papel da sociedade no enfrentamento a esse problema.
O problema da violência contra crianças e adolescentes não é gerado por uma única causa, e sim por diversos fatores que atuam em conjunto. Por isso, a prevenção também demanda uma atuação intersetorial e exige políticas públicas de áreas variadas.
No Brasil, as meninas são alvos mais recorrentes, mas os meninos também figuram significativamente nos levantamentos. No caso dos meninos, os casos aparecem mais entre os 4 e 10 anos de idade. Nas meninas, a violência ocorre principalmente na pré-adolescência e no início da adolescência.
Os efeitos da exposição de crianças e adolescentes à violência direta ou indireta são múltiplos. “Envolvem o desenvolvimento da criança — cognitivo, social, e também a capacidade de aprendizado. A violência compromete a relação da criança com a escola, em termos de confiança nos professores e boa relação com colegas”, disse ao Nexo Maria Fernanda Tourinho Peres, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora do Lieves (Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre Violência e Saúde).
“Além disso, a exposição à violência tem efeitos na saúde de crianças e adolescentes. Tanto na saúde mental, associada a quadros de depressão, tristeza, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático; quanto lesões físicas e ferimentos.”
O Brasil ocupa a 13ª posição em um ranking elaborado pela revista The Economist que busca entender o quão segura uma nação é para crianças e adolescentes – o Reino Unido ocupa a primeira posição.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) tem uma cartilha com estratégias para que pais, familiares, educadores e a sociedade em geral previna a violência intencional contra crianças e adolescentes. As técnicas são conhecidas pelo acrônimo “Inspire”:
Implementação e vigilância legal
A OMS indica a formulação e fiscalização de leis que proíbam a aplicação de castigos físicos em crianças e jovens, que punam o abuso e assédio sexual, que previnam o uso indevido de álcool por eles e que limitem o acesso deles a armas de fogo e armas brancas. Cabe a instituições legislativas e judiciárias.
Normas e valores
A estratégia envolve a reflexão e discussão de normas sociais e valores de gênero, a criação de programas locais de mobilização civil e o auxílio a testemunhas que façam denúncias. Cabe aos órgãos estatais e civis de promoção de saúde, bem-estar e educação.
Segurança do ambiente
Envolve a promoção de estratégias de redução de violência em áreas críticas e melhorias no espaço urbano. Cabe às instituições estatais e civis de infraestrutura e planejamento.
Pais, mães e cuidadores recebendo apoio
Envolve visitas domiciliares, criação de grupos específicos sobre o tema nas comunidades e programas dedicados à conscientização. Cabe aos órgãos estatais e civis de promoção de saúde, bem-estar e educação.
Resposta de serviços de atenção e apoio
A estratégia envolve o aconselhamento e o apoio terapêutico às vítimas, rastreamento de casos similares na comunidade e aconselhamento familiar por meio de assistentes sociais. Cabe às instituições estatais e civis de saúde, justiça e bem-estar.
Educação e habilidades para a vida
A última estratégia da OMS envolve táticas para aumentar o número de crianças e adolescentes matriculados, a garantia de que o ambiente escolar será seguro e estimulante e o diálogo entre professores, coordenadores e alunos sobre os diversos tipos de violência.
A chave para a prevenção é a educação e a informação, avalia Renata Rivitti, promotora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo. Na quarta-feira (8), ela vai mediar uma mesa sobre o tema no 3º Fórum de Políticas Públicas da Saúde na Infância, evento realizado pelo Nexo em parceria com FJLES (Fundação José Luiz Egydio Setúbal), instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.
“A criança precisa saber como se prevenir, quais são as responsabilidades de cada um, quais são os próprios limites”, afirmou ao Nexo . “A educação e a informação têm um papel chave nesse debate”, disse, se referindo ao diálogo que deve existir entre educadores, coordenadores, cuidadores e alunos sobre o tema, vencendo tabus que possam vir a existir.
Apesar dos números elevados, ela vê com otimismo o cenário do combate à violência contra crianças e adolescentes nos próximos anos. Nesse processo, a retomada das aulas presenciais depois do fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19 terá uma função importante. “A escola sempre foi um espaço seguro para que essas agressões sejam descortinadas”, disse.
Ao mesmo tempo em que a fiscalização e o combate institucionalizado contra a violência devem ocorrer, por meio da formulação legislativa e fiscalização, Rivitti entende que a sociedade precisa passar por um processo de reflexão e de questionamento da cultura relacional entre pais e filhos, que, a seu ver, é muito adultocêntrica, onde a dinâmica entre os responsáveis e as crianças ocorre de maneira hierárquica vertical, sem um diálogo franco e participativo.
“Temos um caldo cultural e social, arraigado na nossa sociedade, de disciplina com violência, de viver de uma forma adultocêntrica, com os adultos definindo o que é melhor para as crianças, promovendo uma objetificação, com os filhos se tornando uma propriedade dos pais. Isso deve ser questionado e reavaliado”, concluiu.
O mesmo é dito por Luiza Teixeira, especialista em Proteção à Criança da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.
“O papel de prevenir a violência contra as crianças é de todos, é um papel compartilhado”, afirmou ao Nexo . “Para exercer esse papel é necessário entender o que são as violências, a dimensão, a recorrência, e entender que se trata de um fenômeno complexo e multifacetado. A prevenção precisa acontecer no nível individual, dos relacionamentos próximos, da comunidade e da sociedade, simultaneamente”, disse, se referindo à necessidade de diálogos sobre o tema em todas as esferas da vida comunitária e familiar.
Este conteúdo é parte da cobertura do evento “Violência e maus-tratos contra crianças e adolescentes - o papel da prevenção”, realizado pelo Nexo em parceria com a FJLES (Fundação José Luiz Egydio Setúbal), instituição que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância, ao conhecimento científico sobre a saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil.
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