Expresso

Mil mortes por dia: a pandemia de covid volta a assustar o Brasil

Mariana Vick

04 de fevereiro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h21)

Estados registram tendência de alta nos óbitos após explosão de infecções pela ômicron, mesmo com vacinação em estágio avançado. Previsão é que pico da nova variante ocorra ainda em fevereiro

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FOTO: CARLA CARNIEL/REUTERS – 15.JAN.2022

Homem usa capacete e, de costas para a câmera, fotografa uma instalação de arte. Na instalação, há manequins que simulam vítimas da covid. Eles estão lado a lado, pendurados em uma estrutura.

Instalação de arte homenageia vítimas da covid-19 em São Paulo

O país voltou a registrar no início de fevereiro de 2022 a marca de 1.000 mortes por dia por causa da pandemia de covid-19. O número não era atingido desde agosto de 2021. Em todos os estados, os óbitos pela doença estão em alta.

O recrudescimento da crise sanitária ocorre após o país ter começado a bater recordes de infecções em janeiro, diante do avanço da variante ômicron, que é mais transmissível, apesar de ser considerada menos letal.

Neste texto, o Nexo mostra o avanço da covid-19, explica quais são as projeções para a onda de infecções causadas pela ômicron e relata como os governos locais estão lidando com a situação.

O recorde de novas mortes em meses

O país bateu mais de 1.000 mortes diárias por covid-19 pela primeira vez em 2022 na quinta-feira (3), quando registrou 1.041 óbitos, segundo dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). A média móvel de mortes diárias ficou em 702, um aumento de 70,2% em relação a sete dias antes.

Na sexta-feira (4), o Conass terve problemas ao computar seus dados, ficando sem informações de São Paulo e Rio. Mas o consórcio dos veículos de imprensa que faz esse acompanhamento computou 1.074 vítimas diárias da covid-19, a partir de informações colhidas diretamente com os estados. Desde o início da pandemia, decretada em março de 2020 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil soma mais de 630 mil mortes por covid-19.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 6.JAN.2022

Imagem mostra fila de pessoas com máscara, algumas olhando o celular, esperando em calçada em frente a um clube para serem testadas contra a covid-19

Moradores do Rio de Janeiro esperam em frente a posto de testagem contra a covid-19 montado em clube da cidade

O pior momento da pandemia no Brasil ocorreu em abril de 2021, quando o país chegou a registrar mais de 4.000 mortes diárias. Com o avanço da vacinação, no segundo semestre a situação arrefeceu, com os óbitos voltando à casa das centenas, numa tendência de queda. Em janeiro de 2022, a média móvel chegou a ficar abaixo de 300 por dia. A chegada da ômicron mudou o cenário.

A alta de infecções no início de janeiro impulsionada pela variante resultou em mais hospitalizações na metade do mês e agora começa a repercutir no número de óbitos.

A ômicron foi identificada inicialmente em novembro de 2021, causando ondas agudas de covid-19 em países como Reino Unido e África do Sul. Ela chegou ao Brasil no mesmo mês. As festas de fim de ano ajudaram a espalhá-la pelo país.

95%

das amostras de coronavírus sequenciados no Brasil são da variante ômicron, segundo dados da Fiocruz divulgados na sexta-feira (4)

O aumento de mortes não tem seguido a mesma proporção que o crescimento de infecções, segundoRaphael Guimarães, pesquisador no Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Apesar de ser mais transmissível, a ômicron causa, por outro lado, menos sintomas severos nas pessoas infectadas. As mortes aumentam porque nunca houve tantas pessoas no país com covid-19. Mesmo que a letalidade seja menor, os óbitos acabam ocorrendo.

Outro fator que ajuda a frear o atual número de mortes — baixo em comparação com a explosão de infecções — é a vacinação da população. Na sexta-feira (4), 70,2% dos brasileiros estavam imunizados com duas doses contra a doença, e 23,3% haviam recebido a dose de reforço, considerada mais eficaz contra a ômicron.

Questionado sobre a projeção dos dados de mortes para as próximas semanas,Guimarães disse ao Nexo que é difícil que o país volte ao mesmo patamar da pior fase da pandemia, quando não havia ampla vacinação e a variante dominante, a gama, era mais agressiva. Ainda assim, “1.000 mortes por dia é muito ruim”.

O quadro das hospitalizações

Segundo nota técnica de quinta (3) do Observatório Covid-19 da Fiocruz, ligada ao Ministério da Saúde, 8 das 27 unidades da federação estão em situação crítica de ocupação de leitos de UTIs (unidades de terapia intensiva), com taxa igual ou maior que 80%.

Os estados com os maiores índices são Mato Grosso do Sul (103%), Goiás (91%), Pernambuco (88%), Piauí (87%), Rio Grande do Norte (86%), Mato Grosso (86%), Espírito Santo (83%) e Amazonas (80%). O Distrito Federal registrou 97% de ocupação no período analisado pela Fiocruz, nos últimos sete dias de janeiro.

FOTO: DIEGO VARA/REUTERS – 14.JAN.2022

Imagem mostra duas mulheres de avental azul e máscaras brancas conversando no corredor de um hospital. Uma delas apoia a mão no ombro da outra

Médicos conversam em corredor de UTI voltada a pacientes com covid no Hospital das Clínicas, em Porto Alegre

Outros estados, embora com índices menores de ocupação de UTI, também registraram aumento nas hospitalizações no fim de janeiro, segundo a análise. Parte deles tem decidido incrementar o número de leitos, como é o caso de Minas Gerais.

“Estados e municípios têm capacidades diferentes para aumentar leitos de UTI”, disse Guimarães. “Aumentar leitos significa também ter novos equipamentos, insumos, equipes. Esse aspecto também impacta a ocupação de leitos em cada lugar.”

Em São Paulo, as internações ao menos têm sido mais curtas que em ondas anteriores da pandemia. Dados da Secretaria Estadual de Saúde indicam que os pacientes ficam agora hospitalizados por em média seis dias, quando em 2021 essa média era de 11. O avanço da vacinação e o menor risco de evolução para quadros graves com a ômicron explicam a redução.

Com o avanço das internações, governadores pediram ao Ministério da Saúde em janeiro que prorrogasse o financiamento de leitos de UTI para a covid-19. Na última semana daquele mês, a pasta confirmou a prorrogação do custeio por 30 dias, até o fim de fevereiro.

Na nota técnica de quinta (3), a Fiocruz afirma que algumas capitais, como o Rio, têm começado a registrar estabilidade ou queda nas hospitalizações por covid-19. O dado parece apontar, em alguma medida, para a interiorização dos casos da doença.

“Por um lado, os serviços de saúde precisam dar resposta à demanda [por novos leitos], mas a população também tem meios para demandar menos por esse serviço”, disse Guimarães. “Vacinação e proteção individual evitam a saturação abrupta do sistema de saúde.”

O recuo parcial da transmissão

Enquanto as mortes e as hospitalizações por covid-19 estão em franca ascensão no país, parte dos estados e capitais começou a registrar estabilização ou queda no número de novas infecções pela variante ômicron nos últimos dias de janeiro.

Levantamento do jornal O Globo com base em dados dos dias 23 a 29 mostram que os casos caíram no Rio de Janeiro e no Amazonas em relação à semana anterior. Acre, Goiás e Rio Grande do Sul mostram estabilidade, com altas inferiores a 15%. Na cidade de São Paulo as infecções também desaceleraram.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 12.JAN.2022

Multidão usa as escadas rolantes da estação de trem. Várias pessoas usam máscara contra covid

Pessoas desembarcam na Estação da Luz, na capital paulista

O quadro parece sugerir que o Brasil pode passar pela mesma situação vista em países como a África do Sul e o Reino Unido, onde a ômicron se espalhou primeiro: uma onda curta de novas infecções, de aproximadamente dois meses, que após o pico passa a registrar cada vez menos casos.

São Paulo, estado que recebe o maior fluxo de voos internacionais do Brasil, identificou os primeiros casos importados da variante ômicron no país no fim de novembro de 2021. Amazonas e Rio de Janeiro também são portas de entrada de turistas. Recebendo a variante antes de outros estados, esses lugares já podem estar registrando essa descida, segundo algumas avaliações.

Guimarães afirmou ao Nexo que estudos que têm usado as ondas da ômicron no exterior como referência indicam que o pico da atual onda no Brasil chegue na próxima semana ou próxima quinzena. “Não é impossível que seja verdade. Mas o Brasil é diferente de outros países”, ponderou.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 6.JAN.2022

Imagem mostra profissional de saúde de avental, máscara, luva e touca inserindo cotonete no nariz de uma mulher sentada. Ao fundo, outras pessoas estão sentadas à espera da vez para fazer teste

Moradores do Rio de Janeiro fazem teste de covid-19 em ponto montado em clube da cidade

“Nossa cobertura vacinal é diferente da de países europeus. Além disso, há muita heterogeneidade. Existem muitos Brasis dentro do Brasil”, disse. “Enquanto no Rio os casos estão estacionados, outros estados ainda registram ascensão. Na vacinação, São Paulo tem 80% de cobertura com a segunda dose, mas há cidades do Norte com cerca de metade disso. Não dá para bater o martelo dizendo que [a onda] acabou ou está diminuindo.”

Guimarães afirmou que é preciso haver queda sustentada — ou seja, ao longo dos dias e semanas — nas infecções para que se tenha mais certeza sobre o declínio da onda de covid-19 causada pela ômicron. “E queda também em todos os lugares. Com redução em alguns estados e aumento em outros, não dá para falar por todo o Brasil.”

As reações à nova onda

Com a aceleração da pandemia, os governos locais do país têm adotado medidas como o passaporte vacinal para a entrada em eventos e a limitação de atividades que podem promover mais aglomeração, como o carnaval, que foi cancelado ou adiado em diversas capitais.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), recomendou aos municípios do estado no dia 12 de janeiro a redução de público em 30% em eventos com aglomeração. Medidas mais rigorosas de isolamento, como o fechamento de comércio e atividades, não têm sido cogitadas no estado ou em outros lugares do país.

Parte dos estados, no entanto, adiou ou suspendeu o retorno às aulas presenciais. Entre os que adiaram o início do ano letivo estão Amazonas, Maranhão, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que tomaram a decisão por conta da transmissão rápida da ômicron, o aumento das internações de crianças e a baixa cobertura vacinal no grupo.

Os governos têm tomado decisões com base na expectativa de que o pico da onda causada pela nova cepa chegue ainda em fevereiro. Em países como Reino Unido, as restrições sanitárias caíram depois da queda no número de casos. Na Dinamarca , mesmo com o avanço das infecções, o governo derrubou as medidas de prevenção.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 7.OUT.2020

Sala de aula da Escola Estadual Thomaz Rodrigues Alckmin, em São Paulo

Sala de aula da Escola Estadual Thomaz Rodrigues Alckmin, em São Paulo

A nota técnica do Observatório Covid-19 da Fiocruz afirma que é preciso manter esforços para avançar na vacinação — incluindo a exigência de passaporte vacinal — e controlar a transmissão do coronavírus com maior rigor na obrigatoriedade de uso de máscaras em locais públicos e campanhas para orientar a população sobre o autoisolamento caso tenham sintomas.

Guimarães afirmou ao Nexo que a imunização da população adulta estagnou no fim de 2021. Além disso, mesmo com o início da vacinação infantil, em janeiro, diversas crianças que poderiam ter sido imunizadas com a primeira dose ainda não o foram por medo dos pais.

Na cidade do Rio, 40% das crianças na faixa etária de 7 a 11 anos se vacinaram, segundo dados de quarta-feira (2). Em Goiânia, apenas 25% daspessoas de 5 a 11 anos se vacinaram. Os números também são baixos em Campo Grande (22%), Recife (10%) e Maceió (13%).

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