Expresso

Resolver no primeiro turno ou só depois? Os cenários de outubro

Mariana Vick

29 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Numa eleição que está longe das condições normais de temperatura e pressão, discussões sobre formas de garantir a democracia ganham tração. Cientistas políticos analisam as particularidades de 2022

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FOTO: CARLA CARNIEL/REUTERS 27.05.2022

Alckmin e Lula (ambos ao centro), entre outros, seguram cartazes em protesto contra a morte de Genivaldo de Jesus, asfixiado no porta malas de uma viatura policial em Sergipe

Alckmin e Lula (ambos ao centro), entre outros, seguram cartazes em protesto contra a morte de Genivaldo de Jesus, asfixiado no porta malas de uma viatura policial em Sergipe

Pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (26) mostrou que, se a eleição fosse agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceria no primeiro turno . Isso porque a intenção de votos do petista é maior do que a soma de todo apoio dado a seus concorrentes.

Corrida ao Planalto

Gráfico mostra intenções de voto para candidatos a presidente em 2022. Na resposta estimulada, Lula tem 48% das intenções de voto, contra 27% de Bolsonaro. Os outros candidatos têm menos de dois dígitos.

O resultado animou apoiadores de Lula. E reforçou o discurso petista segundo o qual vencer Jair Bolsonaro ainda no primeiro pode reduzir as chances de o presidente tentar contestar o resultado das urnas . Mas será que essa tese faz sentido?

Neste texto, o Nexo relembra como estavam outras corridas presidenciais a quatro meses da votação e traz análises de cientistas políticos sobre as particularidades da disputa de 2022, cujo primeiro turno está marcado para 2 de outubro e segundo para 30 de outubro.

A quatro meses do voto

O cenário e o resultado em 1994

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 1994, quem liderava a pesquisa Datafolha com ampla margem era Lula. O petista estava em sua segunda tentativa de chegar ao Palácio do Planalto e tinha 40% das intenções de voto. O tucano Fernando Henrique Cardoso estava em segundo lugar, com 17% de apoio. O Plano Real, lançado naquele ano, foi decisivo na disputa. Com a estabilização da moeda após anos de hiperinflação, FHC cresceu com a proximidade da votação e conquistou a Presidência de forma inédita ainda no primeiro turno.

O cenário e o resultado em 1998

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 1998, Fernando Henrique Cardoso, então candidato à reeleição, estava tecnicamente empatado com Lula, segundo a pesquisa Datafolha . O tucano tinha 33% e o petista somava 30% de apoio. Nos meses seguintes, o então presidente ampliaria sua vantagem sobre o opositor. FHC então foi reeleito ainda no primeiro turno. Ciro Gomes, então no PPS, terminou em terceiro lugar em sua primeira tentativa de chegar ao Palácio do Planalto, consolidando-se como uma figura nacional.

O cenário e o resultado em 2002

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 2002, Lula, candidato que já tinha perdido três eleições presidenciais seguidas, liderava a pesquisa Datafolha com 40%. O segundo colocado, o tucano José Serra, aparecia com 21% das intenções de voto. Foi uma campanha marcada pela disputa por quem estaria com o petista no segundo turno. Em agosto, a menos de dois meses da votação, Ciro Gomes, então no PPS, chegou a despontar nas pesquisas, mas a disputa final ficou mesmo entre Lula e Serra, com vitória do petista.

O cenário e o resultado em 2006

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 2006, Lula, então candidato à reeleição, tinha 45% das intenções de voto na pesquisa Datafolha . Ele era seguido pelo então tucano Geraldo Alckmin, que tinha 22% de apoio. Os petistas projetavam uma vitória ainda no primeiro turno, diante da boa aprovação do governo Lula e dos avanços sociais obtidos durante o primeiro mandato. Mas Alckmin recuperou o fôlego e conseguiu ir ao segundo turno contra o então presidente. Lula, porém, garantiu uma vitória tranquila na segunda etapa e foi reeleito.

O cenário e o resultado em 2010

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 2010, Dilma Rousseff, escolhida como sucessora de Lula, empatava com o tucano José Serra na pesquisa Datafolha . Ambos tinham 37% das intenções de voto. Marina Silva, então no PV, aparecia como candidata da “terceira via”, com 12% de apoio. A campanha selava a parceria do PT com o MDB de Michel Temer. Dilma e Serra foram para o segundo turno, com vitória da petista, primeira mulher eleita presidente do Brasil. Marina, mesmo sem vencer, consolidou seu nome como liderança nacional.

O cenário e o resultado em 2014

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 2014, Dilma Rousseff, então candidata à reeleição, liderava a pesquisa Datafolha com 34%, seguida do tucano Aécio Neves, com 19%. A eleição tinha a novidade da figura de Eduardo Campos, candidato do PSB com 7% que tinha Marina Silva como vice. Mas em agosto, a menos de dois meses da votação, Campos sofreu um acidente de avião e morreu. Marina assumiu seu lugar e quase foi para o segundo turno, mas a disputa final ficou entre Dilma e Aécio. A petista venceu por uma margem apertada.

O cenário e o resultado em 2018

A quatro meses da votação da eleição presidencial de 2018, Lula era líder na pesquisa Datafolha , com 30%, mesmo já preso em Curitiba pela Operação Lava Jato. Bolsonaro estava em segundo lugar, com 17%. Em setembro, mês anterior à votação, o petista foi tirado da disputa pelo Tribunal Superior Eleitoral, em razão da Lei da Ficha Limpa, e acabou substituído por Fernando Haddad. Dias depois, Bolsonaro sofreu uma facada em Juiz de Fora, num evento que quase tirou sua vida, mas ampliou sua projeção. Bolsonaro venceu Haddad no segundo turno.

O cenário das pesquisas em 2022

A disputa presidencial de 2022 tem uma primeira característica central. É uma campanha em que o presidente da República vai tentar a reeleição. Pleitos assim são normalmente caracterizados por uma espécie de plebiscito sobre o governo do mandatário.

Entre os presidentes que tentaram reeleição, Bolsonaro é o que tem maior rejeição a quatro meses da votação, segundo a pesquisa Datafolha realizada entre 25 e 26 de maio. Veja abaixo a comparação com outros mandatários:

Rejeição

  • Jair Bolsonaro: 54% (maio de 2022)
  • Dilma Rousseff: 35% (maio de 2014)
  • Luiz Inácio Lula da Silva: 27% (maio de 2006)
  • Fernando Henrique Cardoso: 26% (maio de 1998)

Desde que a reeleição foi instituída no Brasil, todos os presidentes que disputaram um segundo mandato, venceram. Nenhum deles estava atrás nas pesquisas de intenção de voto a quatro meses da votação como está Bolsonaro. As condições do atual presidente, portanto, não são boas.

Principal opositor de Bolsonaro, o ex-presidente Lula se encontra numa posição nas pesquisas parecida com aquela que tinha no fim de maio de 2006. Atualmente está 21 pontos percentuais à frente do segundo colocado. Dezesseis anos atrás, a vantagem sobre o segundo colocado era de 23 pontos percentuais.

Há uma diferença central. Lula era governo em 2006, tinha a máquina pública na mão, além de um governo muito bem avaliado. Mesmo assim, não conseguiu ganhar no primeiro turno de Alckmin. Em 2022, Lula está na oposição, quem tem a máquina na mão é Bolsonaro. A questão é que o atual presidente tem um governo muito mal avaliado.

Em 2006, Lula concorreu contra Alckmin. Em 2022, Alckmin já não é mais do PSDB. Filiou-se ao PSB e é aliado do petista, integrando sua chapa como vice. A união tenta passar a ideia de superação de diferenças diante de uma situação excepcional, em que a democracia brasileira está sob ataque.

Uma eleição que não é normal

Bolsonaro já deixou claro que pretende colocar em xeque o resultado das urnas caso não saia vitorioso. Ele contesta a segurança das urnas eletrônicas sem apresentar provas. É um roteiro parecido com o que ocorreu nos EUA em 2020. O então presidente Donald Trump não aceitou a derrota para Joe Biden, falou em fraude nas urnas sem provas e seus apoiadores invadiram o Congresso americano, com salto de cinco mortes.

No Brasil, Bolsonaro pede para a população se armar para garantir a “liberdade”. O presidente também faz uso das Forças Armadas como garantidoras de suas investidas contra a democracia. A crônica política nacional já dá como certa uma tentativa de golpe .

É nesse cenário, muito longe de uma normalidade democrática, que o país deve entrar na campanha de 2022, que começa oficialmente em 16 de agosto. E é com esse cenário que muitos eleitores estão trabalhando na hora de definir o voto em 2 de outubro.

As chances de aplacar o golpismo

A tese dos apoiadores de Lula que defendem um esforço para uma vitória contra Bolsonaro no primeiro turno se baseia na seguinte lógica: com o presidente derrotado de imediato, as chances de ele contestar as urnas serão menores, porque ele terá que também contestar os resultados das eleições para outros cargos (governadores, senadores, deputados estaduais e federais).

Graziella Testa, professora da EPPG-FGV (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas), afirmou ao Nexo que esse cenário pode não ser tão óbvio, e que a contestação pode vir do mesmo jeito. Para ela, Lula teria de vencer por uma ampla margem de votos a fim de reduzir as possibilidades de contestação, seja no primeiro turno ou no segundo.

FOTO: RODOLFO BUHRER/REUTERS – 22.10.2018

Urnas eletrônicas estão lado a lado em uma mesa longa. Atrás, desfocadas, há três pessoas manuseando os aparelhos.

Urnas eletrônicas usadas na eleição de 2018

Para Adriano Oliveira, professor de ciência política na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), nem uma diferença grande de votos entre Lula e Bolsonaro — no primeiro ou no segundo turno — pode conter a disposição do presidente de contestar o resultado.

Oliveira disse ao Nexo que “a estratégia de Bolsonaro sempre foi causar tumulto”. Ele atribui essa estratégia ao fato de que o presidente não tem solução para problemas reais, como a inflação e a alta dos combustíveis .

73%

dos brasileiros confiam nas urnas eletrônicas, segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta (21); em março, o índice de confiança era maior, de 82%

Testa também leva a sério uma possível tentativa de golpe, mas ressaltou que “não existe previsão absoluta”. “Na literatura de ciência política e de relações internacionais, há variáveis imprescindíveis [como resultados acirrados nas urnas] para que haja golpe. Mas o fato de haver essas variáveis não implica que o golpe vai acontecer”, afirmou.

Outros cenários na mesa

Nos quatro meses que separam os brasileiros do momento do voto ocorrerá a campanha oficial, e mesmo diante de um cenário cada vez mais cristalizado de polarização entre Lula e Bolsonaro, há sempre a hipótese de eventos excepcionais ocorrerem.

Ciro Gomes e a pré-candidata pelo MDB, a senadora Simone Tebet , por exemplo, contam com uma reviravolta. Bolsonaro também pode recuperar terreno e ficar mais competitivo, com possibilidade de vencer.

Graziella Testa, da FGV, disse que nenhuma dessas hipóteses pode ser descartada — afinal, a campanha ainda não começou oficialmente. “Certos eventos podem mudar profundamente [a intenção de votos] no momento eleitoral — é importante lembrar, por exemplo, a diferença que se deu na aprovação de Bolsonaro após a facada [na campanha de 2018]”, disse.

FOTO: RAYSA CAMPOS LEITE/REUTERS – 06.SET.2018

Bolsonaro, de camisa amarela, com expressão de dor e mãos na barriga

O presidente Jair Bolsonaro, após ser atacado em Juiz de Fora, MG

Outro fator que pode elevar as intenções de Bolsonaro é o uso que sua campanha fizer das redes sociais, segundo ela. Em 2018, esse fator foi determinante para alimentar a rejeição — inclusive com desinformação — contra o então candidato do PT, Fernando Haddad.

Em 2022, haverá mais regulação de aplicativos como o WhatsApp , amplamente usado em 2018. Mais recentemente, em maio, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fez um acordo para as eleições com o Telegram . Outras plataformas também entraram no acordo.

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