Expresso

Como esta iniciativa tenta fortalecer candidaturas negras

Fredy Alexandrakis

07 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Coalizão Negra por Direitos lança Quilombo nos Parlamentos, uma articulação suprapartidária que busca combater a sub-representação de pretos e pardos no Legislativo

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: COALIZÃO NEGRA POR DIREITOS/DIVULGAÇÃO/TWITTER

Grupo de pessoas negra se reúne lado a lado em frente a banner com arte e as palavras "Quilombo nos Parlamentos"

Representantes da Coalizão Negra por Direitos em evento de lançamento do Quilombo nos Parlamentos, em São Paulo

A Coalizão Negra por Direitos lançou na segunda-feira (6) o Quilombo nos Parlamentos, uma articulação suprapartidária que reúne mais de 100 pré-candidaturas ligadas ao movimento negro para as eleições de 2 de outubro. Até o momento, nomes do PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT e Rede Sustentabilidade compõem a iniciativa.

O lançamento do projeto ocorreu na Ocupação 9 de Julho, em São Paulo, e contou com participação por videochamada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência. A articulação se propõe a combater a sub-representação de negros no Legislativo e formar uma bancada parlamentar compromissada com uma agenda de defesa da justiça racial no país.

O Nexo ouviu o pesquisador Luiz Augusto Campos, professor de sociologia na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e coordenador do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) para saber quais são os obstáculos enfrentados por candidatos negros, qual a estratégia do Quilombo nos Parlamentos para superá-los, e quais temas são prioritários ao movimento negro neste ano eleitoral.

Os desafios das candidaturas negras

Pessoas negras (que se identificam como pretas ou pardas) compõem cerca de 56% da população brasileira, de acordo com dados de 2019 da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No Congresso Nacional, no entanto, essa proporção é muito menor. Apenas 124 dos 513 deputados federais (24,2%) e 13 dos 81 senadores (16%) da atual legislatura são negros , mostrou um levantamento do site Congresso em Foco, em novembro de 2021.

A falta de políticos negros eleitos não é causada por uma falta de candidaturas negras, disse Luiz Augusto Campos ao Nexo . Nas eleições de 2018, 46,8% dos candidatos a deputado federal se autodeclaravam como pretos ou pardos. Mas essas candidaturas muitas vezes não recebem o apoio necessário para realizar uma campanha bem-sucedida, segundo o pesquisador.

“Uma primeira barreira é conseguir penetrar nos partidos mais fortes. Quanto mais antigo, quanto maior o partido no Brasil, mais fechado ele é a candidaturas negras”, afirmou Campos. Outro obstáculo é a distribuição de recursos dentro dos partidos: “Não basta só se candidatar, tem que aparecer para o eleitor. Precisa de santinho, horário eleitoral, dinheiro para circular, precisa de muita coisa”.

“O acesso a recursos partidários sempre foi o principal gargalo para os candidatos negros”

Luiz Augusto Campos

professor de sociologia na Uerj e pesquisador no Gemaa

Um fator por trás da dificuldade de acesso a esses recursos é a visão de que o tema da justiça racial é nichado, ou de que um candidato focado nesse assunto não recebe votos. “Isso é estatisticamente verdade, mas politicamente falso”, disse Campos. “Os partidos olham para o passado, vêem os candidatos que ganharam muitos votos e investem neles. Mas quando a gente olha o passado, a gente vai ver só homem branco de meia idade, então isso cria uma inércia, uma reprodução das desigualdades dentro dos partidos”.

Uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que entrou em vigor em 2020 visa mudar esse cenário, determinando que partidos devem reservar verba do fundo eleitoral e tempo de rádio e TV de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.

FOTO: MARCELLO CASAL/AGÊNCIA BRASIL

Mulheres negras perfiladas e sentadas

Mulheres negras debatem racismo no Congresso Nacional

Mesmo quando recebem recursos, candidatos negros costumam ter mais dificuldade de gastá-los adequadamente, segundo Campos. O problema nesses casos seria a falta de profissionalização política: “Uma das hipóteses é que esses candidatos não têm assessoria, não têm advogado, não têm contabilidade”, disse o professor.

Por fim, há o funcionamento das eleições a deputado federal, estadual e distrital. Pelo sistema proporcional, se um candidato recebe muitos votos, seu partido pode conseguir vários assentos na Câmara ou na Assembleia Legislativa. Mas nada garante que a eleição de um político negro vai puxar consigo outros candidatos negros.

“Se as candidaturas negras se fortalecem apenas individualmente, elas provavelmente são eleitas, mas levam em geral outras candidaturas brancas”, afirmou Campos. “Se elas se fortalecem só coletivamente, conseguem dar mais votos para os partidos, mas nenhum candidato negro consegue ser eleito. Por isso você tem que ter um investimento duplo, em fortalecimento individual e fortalecimento coletivo”.

A estratégia do Quilombo

A iniciativa Quilombo nos Parlamentos reúne , até o momento, 67 pré-candidatos negros a deputado estadual, 31 a deputado federal, dois distritais e um ao Senado, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo.

Um dos responsáveis pelo projeto, o ativista, coordenador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos Douglas Belchior (PT), é pré-candidato a deputado estadual em São Paulo.

Entre os que concorrem ao Congresso Nacional, participam nomes como o pastor evangélico Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Erica Malunguinho (PSOL-SP), primeira deputada estadual trans de São Paulo. Há também deputados federais que buscam reeleição, como Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP).

Para Campos, a iniciativa atende uma demanda antiga de articulação das candidaturas negras. “Uma solução que foi aventada historicamente para isso foi a criação de um partido negro no Brasil. É algo que de tempos em tempos reaparece e de tempos em tempos é frustrado”, disse o pesquisador. “Já que criar um partido comprometido com a causa racial é tão difícil, essa ideia de uma articulação suprapartidária parece uma tentativa inovadora de resolver esse problema”.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 20.NOV.2020

Mulher negra com faixa no cabelo e máscara no rosto. Mão direita levantada

Mulher protesta em Brasília, no Dia da Consciência Negra

Uma possível vantagem da articulação para os integrantes é ter uma espécie de rede de apoio em torno de suas candidaturas, algo que é importante para a obtenção de recursos dentro dos partidos.

“Você tem que convencer a cúpula partidária de que é um candidato forte, ainda que seja um candidato de primeira viagem”, afirmou Campos. “Para isso, você tem que angariar um apoio prévio”, seja o apoio que um pastor recebe de seus fiéis, ou que um executivo recebe da classe empresarial. O Quilombo cumpre esse mesmo papel.

Nesse sentido, a iniciativa ajuda ainda a rebater a desconfiança que por vezes é direcionada a candidaturas engajadas com a causa racial. Ela mostra que “existem apoiadores financeiros, apoiadores da sociedade civil que estão focados nessa pauta”, disse o professor.

A organização também pode ajudar a suprir a necessidade de profissionalização e assessoramento de candidatos negros.

A agenda para 2022

Outro fator importante à estratégia do Quilombo nos Parlamentos é o alinhamento ideológico e programático dos pré-candidatos. A meta da iniciativa é formar uma bancada que defenda os interesses do movimento negro em Brasília, assim como fazem as bancadas evangélica ou do agronegócio com os seus respectivos interesses, disse Douglas Belchior à Folha de S.Paulo.

“O critério primordial de participação é o compromisso político com a agenda da Coalizão Negra por Direitos”, afirmou Bianca Santana, integrante da entidade e diretora da Casa Sueli Carneiro, à Folha.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 7.MAI.2021

Pessoas se reúnem com placas e velas para manifestar contra a violência policial

Manifestação contra a violência policial ocorrida na comunidade de Jacarezinho, no Rio de Janeiro

A Coalizão lançou em dezembro de 2019 uma agenda de 25 demandas ao Estado brasileiro. O documento foi assinado por 250 organizações do movimento negro e elenca pontos relacionados ao combate à desigualdade social, defesa dos direitos trabalhistas, proteção dos territórios quilombolas, descriminalização das drogas, desmilitarização da polícia, entre outros tópicos.

Luiz Augusto Campos destaca o tema da segurança pública como “a grande pauta dessa eleição”. “Ainda que a gente tenha assistido uma diminuição dos homicídios , as taxas são piores entre a população preta e parda , em comparação com a população branca”, disse o pesquisador. “Isso em um cenário em que o governo defende mais armamento, mais morte, mais ação policial, que tende a só piorar isso”.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas