Expresso

As contradições no cerco de Bolsonaro e Lira à Petrobras

Marcelo Roubicek

20 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h34)

José Mauro Coelho renuncia à presidência da empresa após pressão de governo e líder da Câmara. Movimento é mais um capítulo de campanha contra a estatal durante crise dos combustíveis

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FOTO: MARCOS CORRÊA/PR – 09.AGO.2021

O presidente Jair Bolsonaro, à esquerda, ao lado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL)

O presidente Jair Bolsonaro, à esquerda, ao lado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL)

José Mauro Coelho renunciou à presidência da Petrobras na segunda-feira (20). Ele deixou o cargo após pressão do governo de Jair Bolsonaro (PL) e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Coelho teve a demissão decretada por Bolsonaro em 23 de maio de 2022, mas se manteve na posição durante os trâmites burocráticos necessários para trocar a presidência da estatal. A renúncia acelera o processo de alternância de poder – é a terceira mudança no comando da empresa no atual governo – e abre caminho para que Bolsonaro coloque Caio Paes de Andrade na chefia da petroleira. O interino será Fernando Borges , o que irritou o governo , que queria Paes de Andrade o quanto antes no comando da empresa.

A Petrobras é alvo de pressão do governo e sua base no Congresso num momento de forte alta dos combustíveis , intensificada no ano eleitoral. Neste texto, o Nexo mostra as contradições envolvidas na investida conduzida por Bolsonaro e Lira contra a estatal.

Presidente: indica, mas derruba

Coelho foi indicado por Bolsonaro para a presidência da Petrobras em 6 de abril de 2022, e assumiu o cargo oito dias depois. No discurso de posse, ele defendeu a política de preços da estatal e pregou uma interação maior com a sociedade e com o Congresso.

Em 23 de maio, somente 39 dias depois de chegar à chefia da Petrobras, Coelho foi demitido . A medida veio duas semanas após a Petrobras aumentar o preço do diesel em 8,9% .

Bolsonaro indicou como substituto Caio Paes de Andrade, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, e nome ligado ao ministro da Economia , Paulo Guedes. Pelos ritos internos da Petrobras, o processo de mudança de comando poderia demorar até 60 dias .

No início de junho, Bolsonaro e aliados começaram a pressionar Coelho (já demitido) a renunciar, o que tornaria a troca mais rápida. A pressão para derrubar Coelho aumentou na sexta-feira (17), após o anúncio de um novo aumento da gasolina e do diesel pela Petrobras.

FOTO: JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

O ex-presidente da Petrobras José Mauro Coelho

O ex-presidente da Petrobras José Mauro Coelho

Em texto publicado no jornal Folha de S.Paulo no domingo (19), o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que a Petrobras teve “sua presidência sequestrada por um presidente ilegítimo , que não representa o acionista majoritário [a União]”. Ele não fez menção ao fato de que esse presidente foi indicado pelo próprio governo.

No mesmo texto, Lira fala em investigar a fundo as ações e gastos dos diretores e conselheiros da empresa. Ele também disse que “a que interesses” os membros do alto escalão da empresa são ligados – sugerindo possíveis conflitos de interesse . O discurso dialoga com a proposta de Bolsonaro, mencionada na sexta-feira (17), de abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras.

“Nossa ideia é propor uma CPI para investigar a Petrobras, seus diretores e os membros do Conselho”, afirmou o presidente da República em entrevista à Rádio 96 FM de Natal. “Queremos saber se tem algo errado nessa conduta deles, porque não é possível se conceder um reajuste com o combustível lá em cima e com os lucros exorbitantes”.

De acordo com os jornalistas Valdo Cruz, do portal G1, e Lauro Jardim, do jornal O Globo, a ideia de abrir uma CPI deve perder força após a renúncia de Coelho.

Preços: pressiona, mas não muda

A Petrobras pratica desde 2016 a política pela qual o preço dos combustíveis no Brasil acompanha a cotação do barril de petróleo no mercado internacional. O produto é negociado em dólar e, portanto, o câmbio também influencia a decisão da estatal.

A estatal, portanto, repassa os aumentos para o diesel, a gasolina , o gás de cozinha e outros derivados de petróleo. E como o petróleo está em alta desde meados de 2020 , os combustíveis no Brasil também subiram – contando também com o agravante do dólar alto. Isso ajuda o caixa da Petrobras.

Apesar de ser um grande produtor de petróleo, o Brasil importa também combustíveis, como a gasolina e, principalmente, o diesel. A Petrobras afirma que a importação de combustíveis é um dos motivos centrais para a adoção dessa política de paridade. O raciocínio é que se as importadoras tiverem que vender no Brasil abaixo do valor de mercado internacional, elas podem deixar de operar no país – criando risco de desabastecimento .

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 11.MAR.2022

Homem corre em paralelo a fila de carros em frente a um posto Shell.

Homem caminha próximo a fila em posto de gasolina no Rio de Janeiro

Coelho é o terceiro presidente da estatal a cair no governo de Bolsonaro. Nas duas ocasiões anteriores, a troca aconteceu pouco após anúncios de novos aumentos de preços nas refinarias.

No início de 2021, Bolsonaro demitiu o então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. A demissão gerou desconfiança entre agentes de mercado sobre a possibilidade de uma mudança na política de preços da Petrobras a pedido do presidente.

Os investidores do mercado financeiro responderam negativamente à troca. No primeiro pregão após a demissão, as ações da petroleira despencaram mais de 20% .

O sucessor indicado por Bolsonaro foi o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que não mudou a política de preços. Em 28 de março de 2022, quase um ano após assumir, Silva e Luna foi demitido.

Bolsonaro tentou indicar o economista Adriano Pires, consultor de empresas do mercado de energia (e chamado de lobista por opositores do governo). Mas a aposta se desfez à medida que cresceu a possibilidade de o economista ser barrado por conflitos de interesses, devido a sua atuação como consultor no setor privado.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 07.MAR.2022

Bomba de gasolina com fio de líquido transparente escorrendo da ponta

Gasolina saindo de bomba em posto em Brasília

Mesmo tendo demitido Silva e Luna após aumentos dos combustíveis – e mantendo uma rotina de críticas frequentes à política de preços da Petrobras –, Bolsonaro escolheu Coelho, um defensor da paridade internacional, como substituto. Ou seja, apesar de criticar as diretrizes adotadas pela empresa, Bolsonaro optou por não colocar um substituto que mudasse a política de preços. A mudança de presidente da Petrobras para alterar a política de preços já foi feita em governos anteriores. Por exemplo: sob Pedro Parente , indicado por Michel Temer (2016 a 2018), a estatal abandonou o modelo do mandato de Dilma Rousseff e adotou a política de paridade internacional.

As mudanças anteriores seguiram um roteiro-padrão: os combustíveis aumentaram, Bolsonaro reclamou publicamente da política de preços da estatal, substituiu nomes na empresa, e nada mudou na prática . Após a demissão de Coelho, pela primeira vez, criou-se uma maior expectativa de que haja alguma mudança na definição de preços, dada a proximidade das eleições de outubro , quando o presidente vai disputar a reeleição.

Lucros: critica, mas ganha

Enquanto os combustíveis sobem e impulsionam a inflação brasileira – que está acima de 11% em doze meses acumulados –, a Petrobras registra lucros altos . Em 2021, a empresa teve lucro líquido de R$ 106,7 bilhões , um recorde. Nos três primeiros meses de 2022, o lucro foi de R$ 44,56 bilhões , valor 37 vezes maior que o do mesmo período do ano anterior.

Em live após a divulgação do resultado do primeiro trimestre de 2022, Bolsonaro chamou o lucro de “estupro” e “crime” , e voltou a criticar a política de preços da empresa. O mandatário disse que “a Petrobras não pode quebrar o Brasil”.

Segundo análise postada nas redes sociais por Eduardo Costa Pinto, professor de economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a margem de lucro da Petrobras é consideravelmente mais alta que a de outras empresas do setor petroleiro global. Cálculos da consultoria Economatica mostrados pelo portal UOL corroboram com essa leitura .

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 25.JUL.2019

Crianças correm em frente a muro. Atrás dele, tanques altos com o logo da Petrobras

Jovens correm em frente a tanques da Petrobras em Brasília

A Petrobras também tem registrado recordes nas distribuições de dividendos. O movimento beneficia agentes privados, como acionistas estrangeiros, detentores de papéis chamados ADRs (que são recibos de ações da Petrobras negociadas no exterior) e outras pessoas físicas e jurídicas no Brasil. Entre os grandes acionistas privados da Petrobras estão a gestora de ativos americana BlackRock e o Banco Clássico, que pertence ao bilionário brasileiro Juca Abdalla .

Mas a Petrobras, uma empresa de economia mista, é controlada pelo governo, que é o acionista majoritário da estatal. Isso significa que a União também ganha com a distribuição de dividendos. De acordo com levantamento feito pelo jornal O Globo, R$ 27,1 bilhões entraram nos cofres do governo federal em 2021 na forma de dividendos da petroleira.

Em 2022, até julho, o governo terá recebido R$ 32 bilhões . Como comparação, a verba para pagamento do Auxílio Brasil nos cinco primeiros meses de 2022 foi de R$ 36,5 bilhões .

Ou seja, Bolsonaro critica os lucros da empresa, mas o governo também ganha com esses resultados. O dinheiro que entra da Petrobras não tem destinação obrigatória, ou seja, não é carimbado .

Função social: defende, mas quer privatizar

Em meados de 2022, Bolsonaro e aliados têm criticado a Petrobras com base no argumento de que a empresa estatal tem uma função social . A ideia é que a petroleira, ao definir os preços de combustíveis, deveria não apenas considerar o que é melhor para os acionistas , mas também para a sociedade brasileira como um todo .

No texto publicado na Folha de S.Paulo no domingo (19), Lira também fez menção à função social da Petrobras, como empresa controlada pelo poder público. Nas redes sociais, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP) – senador licenciado pelo Piauí e nome forte do centrão no governo –, também criticou a empresa por “ ignorar sua função social ”.

Em paralelo, avança dentro do governo a ideia de privatizar a Petrobras. Ou seja, enquanto critica a empresa por não cumprir um viés social que lhe compete enquanto estatal, o governo também se mobiliza para repassar a petroleira à iniciativa privada – embora o próprio presidente admita que a medida seja improvável no curto prazo e possa demorar até quatro anos . Uma empresa privada, na lógica do governo, responderia somente aos acionistas, e não precisaria cumprir nenhuma função social.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS- 07.MAR.2022

Homem vestindo camisa e calça social segura bomba na entrada de um carro em um posto de gasolina.

Funcionário abastece carro em posto de gasolina em Brasília

De acordo com Lauro Jardim, do jornal O Globo, o governo já preparou um projeto para enviar ao Congresso, pedindo autorização para privatizar a Petrobras. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o tema ganha força justamente num momento de aumentos dos preços de combustíveis, que favorecem a discussão no Congresso.

Após pedido do Ministério de Minas e Energia , o Conselho do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) recomendou a Bolsonaro incluir a Petrobras no programa . O PPI é o órgão do governo responsável por conduzir processos de desestatização (nome técnico dado às privatizações).

O Ministério de Minas e Energia está sob comando de Adolfo Sachsida, defensor da privatização da petroleira . Ele assumiu a pasta em 11 de maio, após a demissão de Bento Albuquerque . Em seu mandato, foi concluída a privatização da Eletrobras – que foi aprovada com folga pelo Congresso no primeiro semestre de 2021, com apoio de Lira.

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