Qual o saldo das políticas de Bolsonaro voltadas a mulheres
Isabela Cruz
26 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)Em busca do voto dessa parcela do eleitorado, presidente e aliados afirmam que governo federal foi produtivo e eficiente na promoção dos direitos femininos. O ‘Nexo’ mostra o que foi feito nessa área
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A primeira-dama Michelle Bolsonaro e o presidente Jair Bolsonaro, durante convenção do PL
A campanha de Jair Bolsonaro à reeleição vem se esforçando para tentar reduzir a rejeição do presidente junto ao eleitorado feminino. Domingo (24), na convenção do PL que confirmou Bolsonaro como candidato, a primeira-dama Michelle Bolsonaro destacou leis sancionadas pelo marido que segundo ela eram direcionadas à proteção das mulheres. Na segunda-feira (25), o presidente teve almoço com um grupo de eleitoras e disse que “ mulheres conseguiram quase tudo ” no seu governo.
As mulheres rejeitam Bolsonaro mais do que os homens. Segundo pesquisa Ipespe (BR-08220/2022) publicada na segunda (25), enquanto o presidente tem 35% das intenções de voto no eleitorado em geral, entre as mulheres esse percentual cai para 30%, ficando a uma distância de 18 pontos percentuais em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito na disputa presidencial.
Neste texto, o Nexo mostra em cinco pontos centrais como o governo Bolsonaro gerenciou as políticas públicas destinadas às mulheres, e traz análises sobre os impactos dessas escolhas.
Os esforços de Bolsonaro, que admite ser conhecido como alguém misógino , para conquistar o voto das mulheres já acontecem há alguns meses. Em março, no Dia Internacional da Mulher, o presidente assinou uma série de decretos direcionados à população feminina.
Entre eles estava, por exemplo, o decreto que prevê a distribuição de absorventes para mulheres presas, algo que havia sido vetado por Bolsonaro em 2021, sob a alegação de que o projeto de lei aprovado pelo Congresso não previa de onde sairiam os recursos para o custeio do programa.
As medidas aprovadas têm sido usadas por aliados da campanha bolsonarista para dizer que o presidente já sancionou “mais de 70 leis” em benefício das mulheres. O mote já foi repetido por Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, por Michelle Bolsonaro e por Fabio Wajngarten, que já foi secretário do governo e atualmente coordena a comunicação de campanha de Bolsonaro.
Eles não especificam, no entanto, tudo o que estão colocando nesse pacote de “70 leis”. A falta de detalhamento repete a estratégia do governo ao apresentar relatórios sobre investimentos em programas para mulheres. Na Câmara, a bancada feminina chegou a criar em fevereiro um grupo para tentar entender onde foram empregados os R$ 236 bilhões que o governo alega ter destinado em 2021 às mulheres.
“Não constam reais dados dos beneficiados e beneficiadas dos recursos públicos empregados nas ações orçamentárias executadas”, disse ao portal UOL a deputada Celina Leão (PP-DF), líder da bancada feminina.
No discurso feito no domingo (24), a primeira-dama chegou a dar um exemplo do que ela considera serem realizações de Bolsonaro para as mulheres: falou do “sim” presidencial à lei aprovada pelo Congresso que garante o pagamento de pensão mensal vitalícia a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus. Michelle disse que a medida ajuda as mães.
Bolsonaro também deu um exemplo de medidas suas em prol das mulheres: falou do Auxílio Brasil, que subiu para R$ 600 às vésperas das eleições, num aumento previsto para durar até dezembro. Historicamente, os programas de transferência de renda têm as mulheres como público alvo no Brasil, país em que muitas famílias pobres são chefiadas exclusivamente por mulheres.
Ao estabelecer as competências institucionais da Secretaria da Mulher, a gestão Bolsonaro já tinha deixado claro, em 2019, que as políticas públicas para esse segmento da população devem considerar “a perspectiva da família, o fortalecimento de vínculos familiares e a solidariedade intergeracional”.
Para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que publicou em 2022 um relatório sobre as políticas públicas em curso contra a desigualdade de gênero, esse tipo de determinação “remete a uma concepção de políticas para as mulheres que não as considera como público-alvo da política, e sim como uma ponte , um instrumento para alcançar as crianças, a família e a sociedade”.
Especialista em políticas públicas para mulheres, a professora do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Marlise Matos afirmou ao Nexo que até o planejamento orçamentário do governo deixa claro que houve “uma mudança muito radical” no foco das políticas públicas para as mulheres sob o governo Bolsonaro.
“Passa-se a ter uma menor ênfase nas mulheres, e na diversidade das mulheres, e o foco recai sobre um determinado tipo de família: uma família patriarcal, na qual a mãe fica em casa cuidando dos filhos”, disse Matos. Ela é coordenadora do Nepem (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher) e presidente do “Research Comittee 32 Women, Gender and Society” da ISA (Associação Sociológica Internacional, na sigla em inglês).
Matos também afirma que as políticas implementadas pelo Ministério da Mulher, que ficou de 2019 a 2022 sob o comando da pastora evangélica Damares Alves, excluíram mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais, moradoras de zonas rurais, integrantes de comunidades tradicionais, migrantes e fiéis de religiões de matriz africana, entre outras parcelas da população feminina.
Esses grupos foram literalmente excluídos das normativas ministeriais, “numa canetada que mudou os objetivos de uma política que havia sido estabelecida após longo e constante processo de deliberação, envolvendo a participação política de uma diversidade de mulheres de todo o país”, disse Matos.
Programas também foram lançados (ou apenas renomeados) com nomes que “refletem uma redefinição política e ideológica do termo mulher”, afirma o Ipea, mencionando programas como “Salve uma Mulher”, “Mães Unidas” e “Tapete Rosa”.
Segundo o relatório do instituto, essa noção é “atrelada a uma concepção tradicional do que significa ser mulher, bem como ao cuidado da família e ao fortalecimento de vínculos familiares, também ligada a uma noção específica de maternidade, como missão das mulheres”.
Especialistas em políticas públicas para mulheres também apontam a ineficácia de programas adotados pelo Ministério da Mulher para promover os direitos dessa população. Isso se deve, nas palavras de Matos, tanto ao “fundamentalismo religioso” da ex-ministra Damares Alves, algo que afasta as políticas públicas da ciência, quanto ao despreparo da equipe escolhida.
No campo dos direitos reprodutivos, por exemplo, o ministério, além de constranger meninas para não realizarem abortos em casos autorizadas por lei, investiu em campanhas para desestimular jovens quanto à prática sexual, uma estratégia já testada e fracassada em outros países. O governo também atuou para acabar com a educação sexual nas escolas, que já é uma política com resultados comprovados.
Já no campo do mercado de trabalho para mulheres, a aposta foi no empreendedorismo. “Não podemos falar de gerar renda para as mulheres pensando exclusivamente no empreendedorismo, porque o problema da desigualdade, da discriminação, é estrutural e coletivo, e não individual”, afirmou Matos.
Ela chama atenção para a falta de investimentos federais em programas de desenvolvimento de mulheres para setores como o de tecnologia e o de construção civil. “O governo tenta transferir a solução de um problema social para as mulheres individualmente, é absolutamente ineficaz”, disse.
A restrição da abrangência dos programas também é analisada pelo relatório do Ipea, que destaca o “caráter quase experimental dos projetos e programas, seja pela pequena escala da iniciativa, seja pelo pouco tempo de implementação ou de vigência prevista”. Muitas das ações ministeriais se resumiram a oficinas e cursos de capacitação e qualificação, sem haver sequer informações sobre o número de pessoas atingidas pelas iniciativas.
“Inexiste na atual gestão um planejamento coeso e de longo prazo, como o consubstanciado no PNPM [Plano Nacional de Políticas para as Mulheres], cuja última edição teve a vigência encerrada em 2015. As ações do ministério são, ao contrário, esparsas, desconectadas e de baixa sustentabilidade, deixando essa agenda cada vez menos fortalecida e relevante no cenário nacional”
A pequena escala dos programas realizados pelo governo destacada pelo Ipea se reflete nos dados sobre os gastos do Ministério da Mulher. À exceção de 2020, quando créditos extraordinários inflaram os orçamentos ministeriais, o orçamento do Ministério da Mulher para o combate à violência contra mulheres está em queda desde 2019, como mostrou levantamento doInesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). Em 2022, ficou em pouco mais de R$ 43 bilhões.
Dessa quantidade já reduzida de recursos, o ministério deixou grande parte parada, inclusive durante a pandemia. Nesse período, os institutos de segurança pública registraram que a necessidade de isolamento social gerou um aumento da violência doméstica.
O Ministério Público Federal abriu investigação contra a pasta para apurar por que os recursos públicos não foram usados, deixando o vácuo nas políticas públicas. O governo alega que libera o dinheiro para os gastos de acordo com a necessidade. No caso das obras do programa Casa da Mulher Brasileira, de acolhimento de vítimas de violência, “os pagamentos são realizados conforme o andamento da obra”, afirmou o Ministério da Mulher.
Já os gastos realizados se concentraram majoritariamente na manutenção do Ligue 180 , que recebe denúncias de violência contra a mulher, nos dois primeiros anos de governo. O relatório do Ipea mostra que os recursos destinados à central telefônica representaram 96% do orçamento total liquidado de em 2019. Em 2020, foram 74% para a iniciativa.
Em 2021, Damares quis usar um canal da central telefônica do ministério para receber acusações contra estabelecimentos que exijam o comprovante vacinal contra a covid-19 para a entrada do público. A medida foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal.
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